sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Em busca do horizonte Azul - Parte VI



Fragmentos que corriam como pequenos focos de luzes intermitentes, vozes de fundo distorcidas em eco e por fim um fundo negro e silencioso que acalmava e adormecia, todos os outros sons foram as últimas lembranças que procederam à tempestade. Despertou com um balde de água cristalina no rosto. Por mais agressivo que fosse o gesto parecia-lhe o conforto divino de uma morte indolor recompensada no paraíso. Apesar de na mente de um miserável se alcançar o paraíso com muito pouco. Estava acorrentado a um tronco por ambos os braços, as pernas pendiam suspensas tocando sem impor o seu peso sobre a areia. Antes que se questionasse sobre as pessoas que ali estavam, rostos desfigurados, olhares medonhos, os seus olhos contornaram a área procurando o lobo.
                - O que fizeram com ele?
                - Ele quem? A fera que estava contigo? Ele arrancou a mão do meu primo! – Comenta uma daquelas personagens sobre um certo alvoroço.
                - Tens de entender, a natureza é comos nós homens, defende-se quando se sente ameaçada. Lamento muito, no entanto o animal não apresenta qualquer perigo, se ainda estiver vivo. Podem soltá-lo.
                - Soltá-lo? Nós não conseguimos capturá-lo. Hum… Tu nem tens noção de onde estás pois não? Nem do tempo que estiveste inconsciente. Estás neste momento a quase três mil quilómetros do sítio onde te encontramos, há seis dias atrás.
                - Isso é impossível! – Jason tinha a vista turva, no entanto lentamente por detrás daqueles homens os olhos começavam a focar pouco a pouco um imenso céu azul. Tentou levantar os seus olhos mas foi ofuscado por um enorme sol brilhante. Subitamente, ele começou a chorar num turbilhão de emoções. Os seus anfitriões por outro lado ficaram confusos. Recompondo-se, pronunciou-se novamente…
                - Aonde estamos?
                - Noutros tempos, a grande Amazónia, foi a riqueza que nos legou a natureza que salvou o mundo e provavelmente o resto da humanidade. Os rios dentro das florestas mais densas não foram afetados pelas mãos dos homens. Por esse respeito pela natureza é que não caçamos o lobo. Talvez por não gostar muito do meu primo também. – Despeja ele entre gargalhadas, exibindo uma dentadura com muitas janelas pelo caminho.
                - Sou um prisioneiro aqui?
               - Estavas perto do Panamá quando te encontramos, estávamos numa expedição subterrânea em busca de armas para usarmos na nossa guerra. Muitas cidades intactas ficaram subterradas durante a guerra.
                - Desculpa! Disseste: Vossa guerra?
                - Sim, depois da grande guerra formaram-se duas grandes frações conhecidas pelas grandes Tribos. No início era apenas uma disputa pelos recursos naturais, essenciais para a sobrevivência da raça humana. Depois de crescerem e ganharem força, começou a ser mais uma questão de poder.
                - Bando de ignorantes, depois do que a guerra fez ao planeta a primeira coisa que fazem assim que assentam as cinzas é arranjar meios para fomentar outra guerra.
                O homem com quem falava encosta uma catana enferrujada ao seu pescoço…
                - Cuidado viajante, aqui perde-se a língua por muito pouco, vou dar-te o benefício de teres andado a dormir debaixo de uma rocha, no entanto mede as palavras a partir de agora.
                - O que querem de mim? Como é que percorreram três mil quilómetros em seis dias?
                - Três dias! O nosso mecânico Juarez conseguiu por alguns jipes de guerra a circular. O petróleo não é um recurso natural indispensável à nossa sobrevivência mas de momento é o mais caro do mundo. Ouro, diamantes, dinheiro, não tem qualquer valor. No entanto o combustível, ainda pode governar a Terra.
                - Não sou teu inimigo, nem tenho interesse em escolher qualquer lado dessa guerra. Todas frações independentemente do seu fundamento e da sua causa se guiam por um código de honra, existem princípios básicos que nos diferenciam dos animais.
                - Falas bem para um mendigo viajante que cheira a esterco! Se tentares alguma coisa és um homem morto!
                - Tipo quê? Fugir com uma garrafa de água para América do Norte?
                - Seja o que for! Estou de olho em ti! – Voltando-se para os demais… - Soltem-no e deem-lhe umas roupas limpas, não se pode com o cheiro...
                Algumas horas mais tarde Jason alimentava-se com a primeira refeição decente de alguns anos. Lembrou-se subitamente do seu amigo de quatro patas, se estivesse por perto poderia guardar-lhe um pedaço do guisado. Depois pensou na esposa e na filha, estariam elas em melhores condições que ele? Teriam presenciado essa nova guerra? Teriam um prato de comida no final daquele dia tal como ele? A angústia sufocava-o e por mais que a sua situação tivesse melhorado um pouco, não conseguia deixar de se sentir vazio. O seu anfitrião aproximou-se lentamente e sentou-se perto de si.
                - Qual é a tua história gringo?
                - É uma longa história!
                - Uma boa história esperemos! Porque o pessoal está indeciso ao que fazer contigo. Estrangeiros não são de confiança aqui. Eu cresci no mato, vivi no mato toda a minha vida. Sou um homem humilde, ignorante como me chamaste há pouco! Tenho um pequeno exército, algumas armas, três jipes e uma aldeia! Sim tenho mas isso não faz de mim um amperador!
                - Amperador? Acho que queres dizer imperador! Não?
                - Sim isso! Um amperador! Seja como for apesar de ter alguns ingredientes de peso. Não tenho o essencial, a arma letal que resta do passado e está em vias de extinção no presente!
                - Que é...?
                - Conhecimento! E isso… tu tens! Isso é o que devemos temer!
                - O que te leva a pensar que o sei ou não faz de mim um homem perigoso? A única coisa que aprendi foi a manter-me vivo, isso não constituí uma ameaça para ninguém!
                - Sempre resposta para tudo! Mas diz-me seguias viagem? Para onde exatamente!
                - Esperava chegar ao Rio de Janeiro onde estão a minha esposa e filha.
                O homem fixou-o durante alguns segundos depois respondeu-lhe com uma certa frieza…
                - Se elas estavam no Rio de Janeiro podes esquecê-las porque já estão mortas. Foi lá que despontou a guerra entre as frações, mas antes disso a ausência de uma força que impusesse a lei transformou o estado num caos, milhares morrerem perante a loucura dos demais até que as frações tomaram o controlo do estado e mataram toda a gente. Culpados ou não, morreram quase todos!
                Jason escutava-o em estado de choque…
                - Quase todos?
                - Sim quem tinha condições conseguiu apanhar os últimos voos para a Austrália. Se queres acreditar que elas estão vivas? Acredita que elas conseguiram pegar esse voo e agora vivem em paz nas últimas colónias. Se queres enfrentar a realidade que te espera, tens bom remédio, junta-te a nós e tens uma viagem garantida para o Rio, porque é lá que decorre a ação. Eu sei que vocês americanos gostam de armas, não será nenhuma novidade com certeza.
                - Ela nunca apanharia esse voo para a Austrália!
                - O que te faz ter tanta certeza?
                - Porque se há algo que ela tem muito mais do que eu, esse algo é fé! Ela nunca partiria para um território inalcançável sabendo que eu iria atravessar o inferno para chegar até ela. Ela está viva, eu tenho a certeza que está!
                - Olha à tua volta Jason, fé em quê? A mulher que conheceste antes do fim de todos os tempos, como o que resta da humanidade mudou. Não existe mais fé!
                - Estamos a pouco mais de 3000 quilómetros do Rio, não estamos?
                - Sim, mas…
                - Então não venhas falar de fé a um homem que a duas semanas atrás estava do outro lado do mundo. A minha fé me trouxe até aqui! Sim eu percebo de armas, tive no exército, na guerra, e no inferno e se o único caminho que me ofereces para alcançar a minha família é mais uma guerra então vamos embora porque para chegar até ela eu estou disposto a destruir o que resta desta miserável raça humana, que garanto que o mundo não sentirá a sua falta.
                - Acho curiosa essa devoção, nunca conheci a minha família, esta é a minha família e não estou assim tão disposto a morrer por eles. Não és mais prisioneiro aqui se quiseres partir por tua conta és livre para o fazer. Se quiseres lutar do nosso lado, quando terminar és livre para procurar quem ou o que quiseres.
                Jason assentiu em concordância, não estava certo da sua decisão, mas era o meio mais rápido para chegar ao seu destino. O céu cinzento tinha ficado para trás, o sol trazia um novo ânimo uma nova força, ou talvez fosse apenas o prato de comida a surtir o seu efeito. Certo é que três dias depois a sua pele começava a ganhar cor e vida, um camião carregado de gente medonha chegou também, vindo de outra localidade. Ernesto como era conhecido reunia um grupo de recrutas para a “Tribo dos defensores da Paz”, idiotas sempre escolhiam nomes de caracter nobre para as suas causas ridículas, o triste desta geração era que o mundo era atualmente governado por idiotas que sobreviveram. Mas quando analisava o passado e toda a história da humanidade ele compreendia que as coisas não tinham mudado assim tanto. Fossem quais fossem as suas ideologias, ele fazia parte daquele mundo e teria de percorrer a sua estrada para um dia seguir o seu caminho.
Foi no meio do alvoroço de homens sedentos de guerra, ansiosos por dar um motivo às suas tristes existências que por cima da montanha que se levantava por entre os enormes rios carregados de água doce movendo-se por entre uma vegetação densa, que o som de um uivado preencheu o horizonte silenciando os homens.
                - Parece que os teus amigos não desistem de ti facilmente! – Comenta Ernesto…
                - Ainda bem! Porque eu não desisto deles também!
                - O Gringo e o grande lobo cinzento! Se sobreviver à guerra um dia ei de escrever um livro sobre vocês. Aposto que seria um grande sucesso.
                - Terias de aprender a escrever primeiro, seu ignorante!
                Ernesto ria-se compulsivamente expondo o seu sorriso assustador, Jason por outro lado recebe o seu velho amigo que se aproximava lentamente. Um tanto renitente recebe o animal nos seus braços que por si aceita o abraço humano repousando entre eles. Os homens da tribo reuniam-se ao seu redor contemplando algo que não tornariam a ver em vida, num mundo caótico que renascia das cinzas novamente ao encontro do caos eles contemplavam o verdadeiro sentido pelo qual valia a pena lutar…
(Joel Flor)

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