domingo, 9 de dezembro de 2012

Em busca do horizonte Azul – Parte IV


                Suspirou dolorosamente o ar contido naqueles pulmões destruídos pelo oxigénio contaminado. Observava o ambiente ao seu redor certificando-se que estava de volta à sua dura realidade, que teria regressado intacto da sua viagem no tempo. Apesar dos males, sentia-se razoavelmente bem. Foi então que o misterioso viajante que seguia as suas pisadas aproximou-se com carregando algo preso entre os seus dentes afiados. Uma lebre morta, cujo sangue permanecia ainda quente desprendeu-se do seu maxilar junto á fogueira. O animal observou a presa e afastou-se indiferente regressando ao seu descanso. Jason observava-o inquieto e incrédulo. “Estarei atingindo algum estado de insanidade? Ou será que o suposto inimigo dos homens, filho da natureza me trouxe o pequeno-almoço?” Divagava ele entre pensamentos perdidos. Eram tempos difíceis, a comodidade de questionar a sorte era um luxo nesses mesmos tempos. Reatou a fogueira e removeu a pele do animal morto. Era difícil encontrar animais, quase todas as árvores tinham desaparecido e o meio de subsistência fundamental a qualquer espécie, a água, tinha secado. As possibilidades de um lobo faminto partilhar o primeiro alimento de semanas com um ser humano era estranha. Completamente tresloucada e impossível.
                - Confessa lá! Estás a ver se me engordas até o Natal? Na falta de um peru, um humano com o coelho no estômago serve para fazer a festa.
                O animal olhou-o pela primeira vez diretamente nos olhos, o seu olhar era poderoso e irrepreensível. Jason entendeu-o como um sinal que devia calar-se e aproveitar o que a vida lhe estava a dar: Forças para continuar o seu caminho.
                Para um homem de estômago vazio de vários dias, carne de coelho mesmo sem tempero, parecia um banquete digno de um rei. Comeu deliciando cada momento daquela carne suculenta e fresca que se derretia por entre os dedos e dentes, estava de tal forma embriagado naquele momento que se sentiu subitamente envergonhado por não partilhar com o herói do dia, no entanto o lobo não mostrava interesse. Tentou aproximar-se do animal mas o mesmo devolveu-lhe um olhar que o susteve. Os seus olhos falavam por ele: “Cuidado, eu não sou um cão, se me tocares com essa mão imunda ficas sem ela!” Talvez não desta forma agressiva mas por certo algo parecido, pensou. Optou então por respeitar o espaço do seu novo amigo. Desejava beber água para completar aquele alimento, mas teria de procura-la sem qualquer certeza de a encontrar. Optou por ser grato pelo que tinha que era mais do que ontem, arrumou a sua mochila e retomou a sua caminhada, rumo ao sul. O lobo observou-o durante alguns segundos, depois levantou-se e seguiu-o.
                A estrada era desenhada por pedras e pó, algumas ruínas projetavam a existência de uma civilização, mas o estado das coisas impossibilitava um homem comum de reconhecer os lugares, a única certeza que tinha era que deveria seguir para sul, e sul era aquela estranha sensação de estar a descer uma colina, o instinto era a sua única guia. Ou talvez a sua obsessão fosse tão forte, que o coração possuía o poder de carregar o corpo até ao seu destino.
                Mesmo no fim de todos os tempos um ser humano perdido no mundo conseguia definir um trajeto, mesmo lutando contra todas as hipóteses a simples viagem mantinha-o vivo. No entanto não conseguia deixar de pensar no animal que o seguia, qual seria o seu incentivo. O egoísmo e a irresponsabilidade da humanidade destruiu tudo aquilo que ele teria conhecido, o seu mundo não existia mais, apenas uma sombra, uma lembrança. O que poderia motivar a natureza a continuar, a sobreviver. Eram perguntas paras as quais ele não possuía respostas.
                O animal caminhava a pouco mais de seis metros de distância, por mais que fosse se adaptando à sua presença permanecia incrédulo.
                - Não me admira que a tua espécie ainda ande por aí. Sobreviveram à Era do gelo há 300 mil anos atrás. Sobreviveram à chegada das colonizações humanas! Sobreviver está-vos no sangue. Pelo porte e pelo a coloração do pelo, acredito que seja umas das espécies descendentes do Canadá e do Alasca. Espécies tais, que pelo que julgava ter lido, mantém a distância dos homens.
                O lobo permanecia caminhando ignorando o tema da conversa. Fosse qual fosse a sua missão, falar não fazia parte do plano…
                - Sim, se fosse outro idiota qualquer já te teria confundido com um pastor alemão e teria ficado sem uma das mãos como recompensa.
                Pensas que foi a guerra que matou a maior parte das pessoas? Não, foi a ignorância, o mundo era governado por meia dúzia de pessoas inteligentes, os restantes eram apenas animais como tu, sujeitos ao conforto do progresso do mundo. Gostavam de conduzir um carro, por isso já não sobreviviam sem eles. Compravam comida feita, já não sabiam cozinhar. Quanto mais encontrar num deserto a planta certa, com a vitamina certa, que pudesse mante-los vivos por mais algum tempo. Passei a minha infância e adolescência a ser chamado de fanático por viver agarrado aos livros, viver uma vida não era suficiente, nunca foi. Tinha de saber como é que o mundo funcionava. Foi por isso que quando o mundo deixou de funcionar eles morreram todos, e eu continuei sobrevivendo as custas do meu conhecimento… Não entendes nada do que digo pois não?
                O lobo bocejou novamente…
                - Ok, entendes mas não estás interessado! Então e tu? Alguma história interessante? Algum hobbie para além de caçares lebres para humanos esfomeados?
                Jason parou subitamente, uma figura se desenhava no horizonte...
(Joel Flor)

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