
- Confessa lá!
Estás a ver se me engordas até o Natal? Na falta de um peru, um humano com o
coelho no estômago serve para fazer a festa.
O animal olhou-o
pela primeira vez diretamente nos olhos, o seu olhar era poderoso e
irrepreensível. Jason entendeu-o como um sinal que devia calar-se e aproveitar
o que a vida lhe estava a dar: Forças para continuar o seu caminho.
Para um homem de
estômago vazio de vários dias, carne de coelho mesmo sem tempero, parecia um
banquete digno de um rei. Comeu deliciando cada momento daquela carne suculenta
e fresca que se derretia por entre os dedos e dentes, estava de tal forma
embriagado naquele momento que se sentiu subitamente envergonhado por não
partilhar com o herói do dia, no entanto o lobo não mostrava interesse. Tentou
aproximar-se do animal mas o mesmo devolveu-lhe um olhar que o susteve. Os seus
olhos falavam por ele: “Cuidado, eu não
sou um cão, se me tocares com essa mão imunda ficas sem ela!” Talvez não
desta forma agressiva mas por certo algo parecido, pensou. Optou então por
respeitar o espaço do seu novo amigo. Desejava beber água para completar aquele
alimento, mas teria de procura-la sem qualquer certeza de a encontrar. Optou
por ser grato pelo que tinha que era mais do que ontem, arrumou a sua mochila e
retomou a sua caminhada, rumo ao sul. O lobo observou-o durante alguns
segundos, depois levantou-se e seguiu-o.
A estrada era
desenhada por pedras e pó, algumas ruínas projetavam a existência de uma
civilização, mas o estado das coisas impossibilitava um homem comum de
reconhecer os lugares, a única certeza que tinha era que deveria seguir para
sul, e sul era aquela estranha sensação de estar a descer uma colina, o
instinto era a sua única guia. Ou talvez a sua obsessão fosse tão forte, que o
coração possuía o poder de carregar o corpo até ao seu destino.
Mesmo no fim de
todos os tempos um ser humano perdido no mundo conseguia definir um trajeto,
mesmo lutando contra todas as hipóteses a simples viagem mantinha-o vivo. No
entanto não conseguia deixar de pensar no animal que o seguia, qual seria o seu
incentivo. O egoísmo e a irresponsabilidade da humanidade destruiu tudo aquilo
que ele teria conhecido, o seu mundo não existia mais, apenas uma sombra, uma
lembrança. O que poderia motivar a natureza a continuar, a sobreviver. Eram perguntas
paras as quais ele não possuía respostas.
O animal
caminhava a pouco mais de seis metros de distância, por mais que fosse se
adaptando à sua presença permanecia incrédulo.
- Não me admira
que a tua espécie ainda ande por aí. Sobreviveram à Era do gelo há 300 mil anos
atrás. Sobreviveram à chegada das colonizações humanas! Sobreviver está-vos no
sangue. Pelo porte e pelo a coloração do pelo, acredito que seja umas das
espécies descendentes do Canadá e do Alasca. Espécies tais, que pelo que
julgava ter lido, mantém a distância dos homens.
O lobo permanecia
caminhando ignorando o tema da conversa. Fosse qual fosse a sua missão, falar
não fazia parte do plano…
- Sim, se fosse
outro idiota qualquer já te teria confundido com um pastor alemão e teria ficado
sem uma das mãos como recompensa.
Pensas que foi a
guerra que matou a maior parte das pessoas? Não, foi a ignorância, o mundo era
governado por meia dúzia de pessoas inteligentes, os restantes eram apenas
animais como tu, sujeitos ao conforto do progresso do mundo. Gostavam de
conduzir um carro, por isso já não sobreviviam sem eles. Compravam comida
feita, já não sabiam cozinhar. Quanto mais encontrar num deserto a planta
certa, com a vitamina certa, que pudesse mante-los vivos por mais algum tempo.
Passei a minha infância e adolescência a ser chamado de fanático por viver
agarrado aos livros, viver uma vida não era suficiente, nunca foi. Tinha de
saber como é que o mundo funcionava. Foi por isso que quando o mundo deixou de
funcionar eles morreram todos, e eu continuei sobrevivendo as custas do meu
conhecimento… Não entendes nada do que digo pois não?
O lobo bocejou
novamente…
- Ok, entendes
mas não estás interessado! Então e tu? Alguma história interessante? Algum hobbie para além de caçares lebres para
humanos esfomeados?
Jason parou
subitamente, uma figura se desenhava no horizonte...
(Joel Flor)
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