terça-feira, 7 de maio de 2013

Sonhos de Papel

            Porque cantam os pássaros? Mesmo quando entre grades e correntes, privados da grandeza de um céu azul, de uma terra que se encolhe em casa bracejo que dão rumo as estrelas. Rumo, aquele horizonte onde o meu coração se perde, onde os sonhos se desfazem e a saudade se entristece.
Porque cantam os pássaros, enquanto os homens desfalecem sobre a incerteza do destino, das conquistas impossíveis, dos momentos perdidos.
            A natureza sempre me foi difícil de decifrar, o modo como se transforma, a ordem de todas as coisas que abrange, a sua irreverência, o seu poder e o seu domínio oculto e absoluto sobre um mundo de homens iludidos.
            Desde criança, sempre sonhei com coisas impossíveis, acreditava que se desejasse muito determinada coisa, a mesma viria ao meu encontro, como um destino traçado numa linha reta. Sonhava, com aquele barco que me conduziria pelo oceano aos confins da terra, sonhava com os pássaros, carregando-me sobre as nuvens, embalando me nas suas melodias. Sonhava com o meu pai, com todas as boas memórias, todas as preciosas recordações que conservo do homem que um dia foi, sonhava um dia vê-lo entrar por aquela porta marcada por um verniz velho, gasto pelo sol de várias gerações, que encolhia naturalmente a cada ano que eu ia crescendo.
            Mas o tempo mata a esperança e a inocência. O destino transforma-se numa palavra desprovida de sentido, aprendemos com os erros, com as nossas ilusões e fantasias. O tempo, esse revelou-me a realidade do mundo, do universo e de todas as coisas. Não existe um destino, existe apenas três conceitos que definem “o destino”. Escolhas, oportunidades e um pouco de sorte. O meu pai nunca retornou a casa, foi enterrado nas areias de um continente quente e longínquo. No meu coração ele morreu com as memórias e os sonhos de uma criança, que aguardava apenas o conhecimento do tempo, para entender a vida.
            É curioso o modo como o mundo se transforma com o tempo, recuamos por vezes no mesmo tempo analisando as evidências de tal forma que a maior mudança passa despercebida, o mundo por si mesmo não muda. Mudam os homens, mudamos nós. As feridas cicatrizam, os sonhos se transformam e as memórias se perdem.
            Embalo o meu pequeno filho nos braços, sabendo que o seu destino não está nas minhas mãos, na segurança dos meus braços, na consistência dos meus conselhos, na inequívoca certeza das minhas palavras.
            Encontro um incompreensível consolo no seu sorriso, na inocência da sua alegria sincera. A minha maior fraqueza e ao mesmo tempo a minha maior força e exemplo enquanto ser humano. Ali, residindo num ser de palmo e meio. Comprovando que até o mais pequeno dos seres consegue ser maior que o universo para alguém.
            Observo-o esbracejando os seus pequenos braços, sobre o calor do sol, tentando segurar entre os seus pequenos dedos aquela bola gigante de luz. Pequenos gracejos, sons rebeldes que desafiam o mundo ao seu redor.
            E o tempo corre, movendo-se na sombra das estações, na ilusão do renovo, de uma primavera que faz renascer a natureza, que em cada nova vida que dá, leva um pouco da vida dos homens. Pintamos um quadro, uma obra de arte, definimos a nossa vida entre os contornos da tinta, das sombras, das cores. Mas a ironia de um falso controlo, da ilusão de um plano, escreve uma nova história todos os dias. O homem, não consegue controlar o tempo, controlar a vida e a morte, um homem não decide a felicidade e o conforto da sua vida. Tão pouco não define o destino deste mundo que nos é passageiro. É movido pela incerteza, pelo acaso, pela sorte e por certas vezes por uma irrepreensível força de vontade, alimentada pela virtude dos seus sonhos.
            A criança cresce, a alma floresce, estabelece confiança, a ideia de um pequeno reflexo meu desvanece com os anos que o alimentam e o edificam nos percalços da vida, em todas as suas curvas e contornos que definem o seu carácter.
            O cansaço me assoma, nos ossos, na carne, no modo como tolero o mundo e as suas contantes mudanças. O que pintei no meu quadro? Onde estão os meus sonhos de papel que ganham vida entre as cores e as sombras da ilusão? Onde estão as histórias que terminam sempre da mesma forma nos livros? Sentado num banco de madeira observo as flores de um jardim, o perfume das rosas permanece, e então por detrás desta pintura, oiço os pássaros. Porque cantam os pássaros? A pergunta permanece, os homens mudam constantemente enquanto o mundo morre lentamente, segundo a segundo… Mas, porque cantam os pássaros?
            O branco das cortinas entrega-me a um quadro em branco, não existem mais curvas, caminhos, desvios ou dúvidas, o tempo esclarece todas as coisas, mas antes, ele destrói-nos lentamente, pedaço por pedaço, sonho por sonho.
            Sinto-me fraco, observo o olhar envelhecido do meu filho, cabelo grisalho, pele enrugada e o peso do mundo sobre os ombros. Tento recordar uma vida de encontros, histórias repletas de aventuras, mas o homem diante de mim, é um estranho como qualquer outro homem. Vidas diferentes, caminhos próprios, um tempo que esquece todas as coisas. No entanto noto sinceridade no seu olhar, arrependimento, vontade de concertar esse tempo, fazer com que alguns momentos perdurassem, e nunca nos fossem roubados. Ele sorri, como que aceitando, sinto-me em paz, pronto para a minha viagem, pronto para o final de todos os mistérios, desta curta passagem pelo mundo.
As cortinas desfalecem lentamente sinto a brisa do mar recortando os cabelos esbranquiçados que baloiçam juntamente com as ondas do mar.
            Os pássaros voam em silêncio, dançam por entre as estrelas, guiam-me pelas correntes do rio, que me carrega nos seus braços e me adormece na serenidade das cores. Ao fundo, o meu mundo se encolhe no horizonte.

Joel Flor

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Tempo - Feliz 2013

 
Tempo,
Se existe algo inevitável, esse algo é o tempo,
Tem o poder de esquecer, de transformar,
De transportar, de sonhar, de recordar,
Até que invevitavelmente esse mesmo tempo
Deixe de nos pertencer, mantendo-nos vivos apenas,
Na memória dos que permanecem presos ao tempo que lhes é dado.
Esta é a força do tempo, e o poder que ele impõe na única oportunidade que nos dá.
Que saibamos aproveitar cada segundo, compensar em dobro cada momento desperdiçado.
Que possamos recordar os anos memoráveis, os que realmente importam,
Que de uma forma arrebatadora alteraram o curso da nossa história.
Que possamos sempre respeitar esse tempo, amar enquanto temos tempo,
Perdoar enquanto temos tempo e acreditar sempre no tempo que temos.

Este ano será arquivado dentre de poucas horas,
A chave da sua porta que poderia eventualmente mudar o nosso passado nãos nos pertence mais.
Mas neste ano que irá começar, todas as portas estão abertas.
E todos os sonhos estão vivos.

Feliz 2013, saúde no corpo e na mente, o demais sempre virá por acréscimo!
Joel Flor

sábado, 15 de dezembro de 2012

Em busca do horizonte Azul - Parte VII - Capítulo Final


                Cada dia e cada decisão que tomamos muda o curso da nossa história, mesmo sobre tempos difíceis, todos os homens tem a possibilidade de escolher o seu próprio destino, a vida deu-me esperança quando estava prestes a ceder, deste dia em diante irei contar a minha história enquanto luto por ela. Que sirva de legado a esse novo mundo que espero que a minha filha e os seus filhos um dia venham a herdar.
                Uma vez que nos desabituamos a mover-nos sobre qualquer tipo de veículo, viajar transforma-se na estranha sensação de estarmos a ser transportados no tempo, vendo a vida passar como lembranças que se evaporam em segundos.
                O terreno ia se transformando a cada distância percorrida. Foram três longos dias de estrada, de noite parávamos pelo caminho para descansarmos e abastecermos. O lobo que pouco a pouco fui intitulando de “Gray” tinha-se rendido ao afeto humano, por mais que o aborrecesse a sua reputação de fera estava irremediavelmente estragada, repousava o focinho sobre as minhas pernas durante a viagem e adormecia, recuperava todos os sonos perdidos em que me seguiu por aquele deserto a fora, em que por momento nenhum desistiu do seu último amigo. Gostava de ter a sua força e o seu empenho.
                O fim da viagem revelava por entre as nuvens o Cristo Redentor de braços abertos, o mundo permanecia sobre o seu silêncio tenebroso, ou talvez precisássemos apenas de nos aproximar mais um pouco.
                Os soldados da Tribo comunicavam via rádio. Numa das conversas de Ernesto percebi que procuravam manuais de voo, se seguisse a lógica do fim de uma era onde a salvação dependia de transportes aéreos, chegava facilmente à conclusão que nenhum homem que soubesse pilotar um avião ficaria no continente americano. Se procuravam manuais de voo, é porque tinham descoberto um avião intacto. Optei por manter em segredo o facto de ter sido piloto da força aérea Norte americana. Quando chegasse o momento oportuno usaria o conhecimento num benefício nobre, uma vez que o interesse dos meus companheiros de viagem era apenas destruir.
Descemos das viaturas, um nevoeiro cobria a madrugada da cidade, noutros tempos seria um amanhecer silencioso, no entanto teria vivido os últimos tempos no silêncio, conseguia decifrar vários tipos de silêncio, neste silêncio em particular conseguia quase ouvir o bater das centenas quase milhares de corações humanos batendo inquietos, aguardando mais um dia que poderia eventualmente ser o último.
Por entre o nevoeiro formaram várias figuras. Os soldados cumprimentaram-se à medida que encontravam outros soldados, escutava vários idiomas, havia inclusive alguns americanos entre eles, preferi não socializar, independentemente da língua e da cultura, os seres humanos eram quase todos iguais naquele lugar.
Um homem vestido com uma farda militar toda aprumada dirigiu-se a Ernesto, percebi logo que era um dos fundadores da nobre causa “Dos defensores da paz”.
- Só conseguiste esses pobres coitados? – Pergunta ele a Ernesto.
- Só existe cinzas no norte Julian, temos de nos desenrascar com o que temos.
- Conseguiste os manuais?
- Não mas os meus homens em São Paulo continuam à procura.
Julian trocou um olhar pelos novos reforços que chegaram…
- Algum de vocês na outra vida teve formação de voo?
                Permanecemos todos em silêncio como era de esperar, o homem deteve o seu olhar sobre mim durante alguns segundos.
                - Pensei que houvesse só cinzas no Norte, no entanto trazes-me um gringo?
                - Encontramo-lo perto do Panamá! Ele é de confiança! – Intervém Ernesto…
                - O que fazias antes da guerra gringo?
                - Era soldado, infantaria! – Respondi sem hesitar…
                - Muito bem! – É disso que precisamos!
                - E encantador de lobos em part-time! – Comenta um dos soldados sobre gargalhadas.
                Julian voltou-me as costas e seguiu, observava tudo ao meu redor, tentava estudar a área, tentava perceber onde estavam os civis, o meu coração pulsava violentamente, sabendo que a minha família poderia estar a pouco metros de mim, ou simplesmente do outro lado da cidade. Segurei o Ernesto pelo braço à medida que se afastava…
                - Preciso saber onde está a minha família. O que vamos fazer agora!
- Meu amigo, isto não é um safari, e os soldados aqui não fazem perguntas, limitam-se a aguardar ordens!
- Eles não tem nenhum motivo pelo qual questionar. Eu tenho, por favor. Preciso saber! Eu vou cumprir com o que me pediste.
Ernesto observa-o irritado, mas lentamente cede…
- Não existem civis neste lado da cidade. Apenas a base de operações desta Tribo, existe um arranha-céus no centro da cidade, onde estão alguns estrangeiros que a outro tribo considerou terem algum valor para futuras negociações. O edifício não é guardado, nem os civis são prisioneiros. Ninguém saí porque sobreviver cá fora é complicado. Sei apenas que nos últimos tempos não tem vivido nas melhores condições, todos os homens e ainda algumas mulheres foram incorporadas no exército da tribo. Restaram apenas alguns idóneos e crianças que aguardam a maturidade para terem algum uso, enquanto os idóneos apenas aguardam a morte. Se houver perto de cem pessoas nesse edifício será muito. Queres continuar a acreditar que a tua mulher está viva? Ou preferes de uma vez por todas encarar a realidade?
- Porquê que procuram manuais de voo?
- Existe um avião de transporte intacto no território da outra tribo. Nós vamos roubá-lo enquanto a tribo investe num ataque surpresa.
- Para quê que o Julian quer um avião?
- Olha à tua volta Jason? Vês algum paraíso no qual queiras passar o resto da tua vida?
- Os soldados sabem disso?
- Não, são demasiado burros para perceber. Assim que o Julian tiver conhecimento de voo, ele vai para a Austrália.
- E vai abandonar a causa?
- Acho que não percebeste gringo! Depois o ignorante sou eu?
- Elucida-me por favor!
- Ele não quer o Rio de Janeiro ou a Austrália! Ele quer o mundo inteiro, não vai abandonar a guerra refugiando-se nas colónias que ninguém sabe como estão. Ele quer invadir o país. Com fogo e sangue.
Observava a sinceridade com que o Ernesto me descrevia a mente monstruosa de Julian, senti uma certa tristeza pelo estado do mundo, aquele era o renascer das cinzas, aquele era o futuro dos nossos filhos, aquele era o motivo pelo qual centenas de pessoas iriam morrer nos próximos minutos. Seguindo simplesmente a loucura de uma mente.
- Eu gosto de ti gringo! Existe bondade em ti, mas temo por essa bondade. No mundo não se sobrevive mais com bondade, a sobrevivência está em saber escolher o menor dos males.
- Se vou morrer em breve, que seja como um homem de princípios, os princípios que os meus pais me deram. Princípios que o mundo se esforça arduamente para esquecer.
Virei-lhe e saí caminhando noutro sentido…
- Aonde é que vais soldado? Não podes abandonar a Tribo!
Escutei o rodar de um revólver, a arma de Ernesto estava apontada a mim, a opção livre que me tinha prometido acabava de expirar…
- Não me deixas alternativa, seu idiota, vou dar-te um atalho para ires logo ter com a tua família nos quintos dos infernos.
Antes que pressionasse aquele gatilho o maxilar de Gray já estava fechado sobre os seus dedos, o tiro saí passando a poucos metros do alvo, Gray investiu novamente sobre o Ernesto abocanhando-o pelo pescoço, jogando o corpo do homem sem vida sobre o chão. Escutei o som de homens correndo alvoraçados até nós. Tinha um dos jipes ao meu alcance, peguei o revólver do Ernesto e meti-me dentro do jipe. Gray não aguardou o convite, saltou de imediato para as traseiras do veículo que arrancou a fundo derrapando os pneus no asfalto. Logo estaria no meu encalço, fosse qual fosse o plano que iria construir nos próximos segundos teria de envolver um grande alvoroço de modo a acordar aquela cidade fantasma.
Nas traseiras do jipe tinha uma metralhadora russa carregada, peguei-a enquanto conduzia a alta velocidade pela longa avenida e disparei alguns tiros para o ar. Isso colocaria a segunda Tribo em alerta, Julian iria ter de repensar a sua estratégia e eu ganharia ainda mais tempo. Avistei ao fim de alguns quilómetros o enorme arranha-céus ainda intacto. Saí do jipe de arma em punho o local permanecia em silêncio, o Gray seguia-me de cabeça baixa, um verdadeiro soldado que me salvara a vida mais que uma vez. Contornamos o passeio por uma rua transversal, observávamos os telhados dos edifícios em busca de atiradores furtivos mas o trajeto permanecia livro. Corri até à porta principal e entrei no edifício, o meu coração disparou de tal forma que tive de me debruçar por alguns momentos para recuperar o fôlego. Um homem saiu de um dos corredores empunhando uma faca, lançou-se a mim furiosamente, no último segundo travei-o embatendo com a metralhadora no rosto. Dei-lhe uma joelhada no estômago, curvando-se atingiu-o novamente com a metralhadora nas costas fazendo-o desfalecer sobre o chão. Chamei o Gray que inspecionava os arredores e dirigimo-nos para as escadas. Lá fora o som de explosões tiros e gritos começou a ecoar. A batalha das tribos tinha começado. Felizmente o homem que sabia dos meus planos, da minha mulher e filha estava morto. Tinha de aproveitar tudo o que tinha a meu favor. Alcancei o último piso quase sem fôlego, centenas de pessoas encolheram-se quando me viram dobrar a esquina que me conduziu aquele enorme compartimento. Um vigésimo quinto andar com paredes exteriores de vidro davam uma vista magnífica para a cidade que encontrava agora o sol da manhã. O nevoeiro tinha-se levantado enquanto fazia a minha maratona de vinte e cinco andares.
As pessoas olhavam-me aterrorizadas, muitas crianças e mulheres…
- Não tenham medo, eu não vou vos magoar!
Lentamente percebi-me que o mais os assustava não era a minha metralhadora, mas sim os dentes afiados atrás de mim…
- Importas-te de sorrir uma vez na vida? Estás a assustar as pessoas!
Voltei-me para a multidão e gritei…
- Cíntia e Sophie Goldberg!
O silêncio permaneceu após os nomes, as pessoas trocavam olhares entre si dando a entender que desconheciam as pessoas em questão. O meu coração desfaleceu naquele momento caí desconsolado sobre as minhas pernas, aquele era o limite das minhas forças, o auge da minha fé tinha desmoronado, não haveria qualquer plano após o meu fracasso. Talvez o seu destino, o motivo pelo qual estaria vivo e teria alcançado aquela torre, seria de salvar aquelas pessoas, coloca-las num avião rumo à Austrália. Valia a pena salvar vidas quando a minha tinha irremediavelmente acabado, enquanto meditava no meu próximo passo relâmpago, uma vozinha doce e meiga por detrás de mim soletrou…
- Pai? 

Voltou-se lentamente rendido ao chamado e o seu mundo parou, a guerra que decorria lá fora permaneceu em silêncio enquanto os seus olhos lacrimejados contemplavam a sua filha Sophie, uma criança de oito anos devolvia-lhe um olhar choroso e correu em seguida até aos seus braços apertando-o com força sem conseguir conter o choro. A alegria momentânea de Jason não conseguia contornar o desespero que tinha em saber da sua esposa, logo afagou-lhe as lágrimas dos olhos…
- Filha, a tua mãe? Onde está?
Uma senhora de idade interrompeu-os…
- Você é o Jason Goldberg, a Cíntia falou-nos muito de si. Ela nunca desesperou, acreditou em todas as suas forças que tu virias um dia por ela, por todos nós. És piloto não és?
Com algum receio o Jason respondeu que sim…
- Eu sei onde está o avião, o meu marido ia nos levar no dia da grande guerra, mas não viveu para fazê-lo. E assim permaneceu escondido até recentemente ambas as Tribos saberem da sua existência e de estar apto a viajar. A tua mulher levaram-na a duas semanas, descobriram que ele era médica e puseram-na a tratar de soldados feridos.
- Onde é que ela está?
Um velho dos seus setenta anos levantou-se e aproximou-se dele…
- Eu levo-te até ela. Mas prepara-te para enfrentares fogo.
- Tenho 25 andares para descer, não posso ir a passo de caracol, desenha-me um mapa porque o tempo escapasse.
Assim o fez, desenhou o trajeto até à base da Tribo e a morada do armazém onde estava o avião…
- Estamos a confiar-te a nossa última esperança…
- Formem fileiras de dez pessoas e sigam até ao armazém, são duas quadras, mantenham-se escondidos caso soldados das Tribos apareçam, fica com este revólver, é melhor que nada. Se eu não aparecer até o por do sol… Regressem à torre e… cuidem bem da minha filha.
- Não te preocupes Jason!
Desci as escadas em corrida, seguido pelo Gray. Entramos rapidamente no Jipe e seguimos a estrada que o velhote indicara. Sentia o som da batalha muito perto, alguns tiros começaram a cruzar o jipe. Atiradores tentavam abater-me.
Um tiro atingiu a roda do Jipe fazendo-o capotar na estrada. O Gray saltou antes que o carro embatesse contra o asfalto. Eu não fui tão rápido, senti algo perfurar a minha perna esquerda no impacto. Dolorosamente arrastei-me por debaixo do veículo procurando um abrigo. A poucos metros o Gray abatia à dentada um soldado que se aproximava. Alcançou-me preocupado cheirando o ferimento.
- Eu estou bem Gray! Vamos, não podemos perder tempo.
Movia-me dolorosamente coxeando de uma perna, ao final da rua existia um enorme hospital o qual a Tribo utilizava as instalações para vários fins. Entrei sem me preocupar mais com a cautela, dezenas de pessoas tratavam de homens feridos, carbonizados, cenários que me trouxeram à memórias tempos que julgava ter esquecido. Tentei ignorar os gritos e os odores de morte, foquei-me em encontrar apenas a Cíntia. As portas principais abriram-se, três soldados procuravam pelo gringo. Estava a ficar famoso! Teria de me transformar num assassino naquele futuro próximo, muitas vidas dependiam de mim, agachado na esquina do corredor disparei sobre um dos homens que tombou contra o chão. Os outros dois desviaram-se procurando cobertura e começaram a retribuir fogo cerrado. O pânico instaurou-se ainda mais, logo o tiroteio iria atrair mais soldados. As coisas começavam a complicar-se. Saltei por cima de uma maca sentindo as balas passarem rentes ao meu corpo. Corri pelo corredor vago tentando sobreviver mais uns segundos foi então que a vi, linda como desde o primeiro dia em que a conheci, atarefada sobre um paciente que morria em cima da mesa os seus olhos num instante cruzaram os meus, quando me reconheceu, não teve como se conter. Caiu de joelhos e começou a chorar. Corri até ela abraçando-a.
- Temos de sair daqui, os soldados querem matar-me! Eu sei do avião, vou tirar todo o mundo deste lugar.
- Eu sei que vais! Esperei uma eternidade por este dia!
- Conheces as instalações? Consegues pôr-nos o mais rápido possível fora daqui?
- Segue-me!
Alguns segundos depois corriam os dois pela estrada, Jason ignorava as dores, se conseguissem sobreviver aquele dia iria ter muito tempo para se queixar. Não havia nenhum veículo por perto tiveram de correr três quilómetros sem parar até que alcançaram o armazém. Os civis já lá estavam.
              - Ajudem-me a abrir estes portões.
 A luz invadiu o interior do armazém. Era um avião de carga com capacidade para todos e com porte suficiente para atravessar um oceano. Observou o combustível permanecia atestado durante todo aquele tempo, dentro da cabine havia uma mapa de navegação e uma fotografia de Sydney a capital Australiana. O velho piloto construiu o seu sonho e não viveu para concretizá-lo.
Os jipes de Julian pararam lá fora, Jason precipitou-se em embarcar todo mundo e correu com a metralhadora para junto dos portões, o velho de nome Celso puxou do revólver e acompanhou-o juntamente com Gray.
Eram seis soldados com o Julian, aproximavam-se armados. Jason sabia o que tinha de fazer, era única salvação que tinham, e assim fez disparou rapidamente sobre dois soldados os outros responderam com fogo pesado fazendo-o recuar. O velho precipitou-se e Julian atingiu-o com um tiro certeiro no peito. Jason tentou amparar-lhe a queda mas quando o segurou já estava morto. Investiu novamente em fúria atingindo outro soldado. O Gray atirou-se contra outro derrubando-o enquanto o esquartejava contra o chão. Julian preparava-se para abater o lobo enquanto o Jason derrubava outro soldado, e avançava em corrida contra o Julian, no último instante Julian optou por atirar em Jason que caiu estendido sobre o chão. Gray observando-os atirou-se a Julian que defendeu-se atempadamente com um tiro, o animal ignorou a dor e cravou os seus dentes no pescoço de Julian, lentamente ambos perderam as forças e caíram sobre terra.
 Jason levantava-se entre gemidos, a bala permanecia dentro de si a poucos centímetros do coração. Continuava a lutar contra a morte, o lobo permanecia imóvel sobre o chão, pegou-o com dificuldade nos seus braços trazendo-o para o interior do armazém, caiu de joelhos sobre o chão segurando o animal nos seus braços enquanto o mesmo desfalecia lentamente.
- Eu avisei-te que isso de andares comigo ia ser o teu fim! – Tentou brincar mas não se conteve, o seu amigo estava a morrer nos seus braços…
- Vá lá Gray, tu consegues sobreviver a isto. O que é isto em comparação à travessia do enorme deserto americano? Não vás!
Gray parecia aceitar o seu destino melhor do que o Jason que não se conformava, Cíntia observava-o de longe, sentia admiração pelo homem que ele era. Por vezes os piores momentos revelam as melhores pessoas. O curso da vida dita aquilo que somos consoantes os obstáculos que enfrentamos. Esse era o inevitável curso das histórias que ouvimos e nos fazem meditar, nos servem de base e princípios.
Coloquei o meu velho amigo sobre o chão abraçando-o uma última vez.
- Adeus Gray, até à próxima viagem!
Corri saltando para a cabine do avião, os braços da Cíntia contornavam o meu pescoço, não me iria soltar mais por nada deste mundo. O avião arrancou pela estrada, foi alvo de alguns tiros que não impediram a sua conquista dos céus. Em poucos segundos o Rio de Janeiro foi encolhendo por entre as Janelas, despedi-me da grande estátua de braços abertos que tentava abraçar um mundo perdido. O sol brilhava agora em todo o seu vigor e o horizonte era mais azul do que nunca. Pensei naquela cidade linda que ficava para trás, pensei no meu país que ficou reduzido a cinzas, pensei no ser humano e naquilo que nos define. Pensei no poder de uma simples ideia.
Uma ideia contamina um homem bom, muda a mente de uma nação, altera o destino de uma geração, muda o futuro do mundo e o curso de todas as coisas.
Uma ideia que ganhe vida pode ser a arma mais perigosa à face da terra. Enquanto o mundo perece, renasce e volta a perecer perante as inevitáveis ideias dos homens. Resta-nos permanecermos verdadeiros a nós mesmos, e fiéis aqueles que amamos. Com o amor vivo o mundo dentro de nós nunca será abalado…
 
Fim
(Joel Flor)

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Em busca do horizonte Azul - Parte VI



Fragmentos que corriam como pequenos focos de luzes intermitentes, vozes de fundo distorcidas em eco e por fim um fundo negro e silencioso que acalmava e adormecia, todos os outros sons foram as últimas lembranças que procederam à tempestade. Despertou com um balde de água cristalina no rosto. Por mais agressivo que fosse o gesto parecia-lhe o conforto divino de uma morte indolor recompensada no paraíso. Apesar de na mente de um miserável se alcançar o paraíso com muito pouco. Estava acorrentado a um tronco por ambos os braços, as pernas pendiam suspensas tocando sem impor o seu peso sobre a areia. Antes que se questionasse sobre as pessoas que ali estavam, rostos desfigurados, olhares medonhos, os seus olhos contornaram a área procurando o lobo.
                - O que fizeram com ele?
                - Ele quem? A fera que estava contigo? Ele arrancou a mão do meu primo! – Comenta uma daquelas personagens sobre um certo alvoroço.
                - Tens de entender, a natureza é comos nós homens, defende-se quando se sente ameaçada. Lamento muito, no entanto o animal não apresenta qualquer perigo, se ainda estiver vivo. Podem soltá-lo.
                - Soltá-lo? Nós não conseguimos capturá-lo. Hum… Tu nem tens noção de onde estás pois não? Nem do tempo que estiveste inconsciente. Estás neste momento a quase três mil quilómetros do sítio onde te encontramos, há seis dias atrás.
                - Isso é impossível! – Jason tinha a vista turva, no entanto lentamente por detrás daqueles homens os olhos começavam a focar pouco a pouco um imenso céu azul. Tentou levantar os seus olhos mas foi ofuscado por um enorme sol brilhante. Subitamente, ele começou a chorar num turbilhão de emoções. Os seus anfitriões por outro lado ficaram confusos. Recompondo-se, pronunciou-se novamente…
                - Aonde estamos?
                - Noutros tempos, a grande Amazónia, foi a riqueza que nos legou a natureza que salvou o mundo e provavelmente o resto da humanidade. Os rios dentro das florestas mais densas não foram afetados pelas mãos dos homens. Por esse respeito pela natureza é que não caçamos o lobo. Talvez por não gostar muito do meu primo também. – Despeja ele entre gargalhadas, exibindo uma dentadura com muitas janelas pelo caminho.
                - Sou um prisioneiro aqui?
               - Estavas perto do Panamá quando te encontramos, estávamos numa expedição subterrânea em busca de armas para usarmos na nossa guerra. Muitas cidades intactas ficaram subterradas durante a guerra.
                - Desculpa! Disseste: Vossa guerra?
                - Sim, depois da grande guerra formaram-se duas grandes frações conhecidas pelas grandes Tribos. No início era apenas uma disputa pelos recursos naturais, essenciais para a sobrevivência da raça humana. Depois de crescerem e ganharem força, começou a ser mais uma questão de poder.
                - Bando de ignorantes, depois do que a guerra fez ao planeta a primeira coisa que fazem assim que assentam as cinzas é arranjar meios para fomentar outra guerra.
                O homem com quem falava encosta uma catana enferrujada ao seu pescoço…
                - Cuidado viajante, aqui perde-se a língua por muito pouco, vou dar-te o benefício de teres andado a dormir debaixo de uma rocha, no entanto mede as palavras a partir de agora.
                - O que querem de mim? Como é que percorreram três mil quilómetros em seis dias?
                - Três dias! O nosso mecânico Juarez conseguiu por alguns jipes de guerra a circular. O petróleo não é um recurso natural indispensável à nossa sobrevivência mas de momento é o mais caro do mundo. Ouro, diamantes, dinheiro, não tem qualquer valor. No entanto o combustível, ainda pode governar a Terra.
                - Não sou teu inimigo, nem tenho interesse em escolher qualquer lado dessa guerra. Todas frações independentemente do seu fundamento e da sua causa se guiam por um código de honra, existem princípios básicos que nos diferenciam dos animais.
                - Falas bem para um mendigo viajante que cheira a esterco! Se tentares alguma coisa és um homem morto!
                - Tipo quê? Fugir com uma garrafa de água para América do Norte?
                - Seja o que for! Estou de olho em ti! – Voltando-se para os demais… - Soltem-no e deem-lhe umas roupas limpas, não se pode com o cheiro...
                Algumas horas mais tarde Jason alimentava-se com a primeira refeição decente de alguns anos. Lembrou-se subitamente do seu amigo de quatro patas, se estivesse por perto poderia guardar-lhe um pedaço do guisado. Depois pensou na esposa e na filha, estariam elas em melhores condições que ele? Teriam presenciado essa nova guerra? Teriam um prato de comida no final daquele dia tal como ele? A angústia sufocava-o e por mais que a sua situação tivesse melhorado um pouco, não conseguia deixar de se sentir vazio. O seu anfitrião aproximou-se lentamente e sentou-se perto de si.
                - Qual é a tua história gringo?
                - É uma longa história!
                - Uma boa história esperemos! Porque o pessoal está indeciso ao que fazer contigo. Estrangeiros não são de confiança aqui. Eu cresci no mato, vivi no mato toda a minha vida. Sou um homem humilde, ignorante como me chamaste há pouco! Tenho um pequeno exército, algumas armas, três jipes e uma aldeia! Sim tenho mas isso não faz de mim um amperador!
                - Amperador? Acho que queres dizer imperador! Não?
                - Sim isso! Um amperador! Seja como for apesar de ter alguns ingredientes de peso. Não tenho o essencial, a arma letal que resta do passado e está em vias de extinção no presente!
                - Que é...?
                - Conhecimento! E isso… tu tens! Isso é o que devemos temer!
                - O que te leva a pensar que o sei ou não faz de mim um homem perigoso? A única coisa que aprendi foi a manter-me vivo, isso não constituí uma ameaça para ninguém!
                - Sempre resposta para tudo! Mas diz-me seguias viagem? Para onde exatamente!
                - Esperava chegar ao Rio de Janeiro onde estão a minha esposa e filha.
                O homem fixou-o durante alguns segundos depois respondeu-lhe com uma certa frieza…
                - Se elas estavam no Rio de Janeiro podes esquecê-las porque já estão mortas. Foi lá que despontou a guerra entre as frações, mas antes disso a ausência de uma força que impusesse a lei transformou o estado num caos, milhares morrerem perante a loucura dos demais até que as frações tomaram o controlo do estado e mataram toda a gente. Culpados ou não, morreram quase todos!
                Jason escutava-o em estado de choque…
                - Quase todos?
                - Sim quem tinha condições conseguiu apanhar os últimos voos para a Austrália. Se queres acreditar que elas estão vivas? Acredita que elas conseguiram pegar esse voo e agora vivem em paz nas últimas colónias. Se queres enfrentar a realidade que te espera, tens bom remédio, junta-te a nós e tens uma viagem garantida para o Rio, porque é lá que decorre a ação. Eu sei que vocês americanos gostam de armas, não será nenhuma novidade com certeza.
                - Ela nunca apanharia esse voo para a Austrália!
                - O que te faz ter tanta certeza?
                - Porque se há algo que ela tem muito mais do que eu, esse algo é fé! Ela nunca partiria para um território inalcançável sabendo que eu iria atravessar o inferno para chegar até ela. Ela está viva, eu tenho a certeza que está!
                - Olha à tua volta Jason, fé em quê? A mulher que conheceste antes do fim de todos os tempos, como o que resta da humanidade mudou. Não existe mais fé!
                - Estamos a pouco mais de 3000 quilómetros do Rio, não estamos?
                - Sim, mas…
                - Então não venhas falar de fé a um homem que a duas semanas atrás estava do outro lado do mundo. A minha fé me trouxe até aqui! Sim eu percebo de armas, tive no exército, na guerra, e no inferno e se o único caminho que me ofereces para alcançar a minha família é mais uma guerra então vamos embora porque para chegar até ela eu estou disposto a destruir o que resta desta miserável raça humana, que garanto que o mundo não sentirá a sua falta.
                - Acho curiosa essa devoção, nunca conheci a minha família, esta é a minha família e não estou assim tão disposto a morrer por eles. Não és mais prisioneiro aqui se quiseres partir por tua conta és livre para o fazer. Se quiseres lutar do nosso lado, quando terminar és livre para procurar quem ou o que quiseres.
                Jason assentiu em concordância, não estava certo da sua decisão, mas era o meio mais rápido para chegar ao seu destino. O céu cinzento tinha ficado para trás, o sol trazia um novo ânimo uma nova força, ou talvez fosse apenas o prato de comida a surtir o seu efeito. Certo é que três dias depois a sua pele começava a ganhar cor e vida, um camião carregado de gente medonha chegou também, vindo de outra localidade. Ernesto como era conhecido reunia um grupo de recrutas para a “Tribo dos defensores da Paz”, idiotas sempre escolhiam nomes de caracter nobre para as suas causas ridículas, o triste desta geração era que o mundo era atualmente governado por idiotas que sobreviveram. Mas quando analisava o passado e toda a história da humanidade ele compreendia que as coisas não tinham mudado assim tanto. Fossem quais fossem as suas ideologias, ele fazia parte daquele mundo e teria de percorrer a sua estrada para um dia seguir o seu caminho.
Foi no meio do alvoroço de homens sedentos de guerra, ansiosos por dar um motivo às suas tristes existências que por cima da montanha que se levantava por entre os enormes rios carregados de água doce movendo-se por entre uma vegetação densa, que o som de um uivado preencheu o horizonte silenciando os homens.
                - Parece que os teus amigos não desistem de ti facilmente! – Comenta Ernesto…
                - Ainda bem! Porque eu não desisto deles também!
                - O Gringo e o grande lobo cinzento! Se sobreviver à guerra um dia ei de escrever um livro sobre vocês. Aposto que seria um grande sucesso.
                - Terias de aprender a escrever primeiro, seu ignorante!
                Ernesto ria-se compulsivamente expondo o seu sorriso assustador, Jason por outro lado recebe o seu velho amigo que se aproximava lentamente. Um tanto renitente recebe o animal nos seus braços que por si aceita o abraço humano repousando entre eles. Os homens da tribo reuniam-se ao seu redor contemplando algo que não tornariam a ver em vida, num mundo caótico que renascia das cinzas novamente ao encontro do caos eles contemplavam o verdadeiro sentido pelo qual valia a pena lutar…
(Joel Flor)