O animal aproximava-se lentamente, movia-se sem querer passar despercebido,
descontraído e de focinho levantado. Talvez desse a sua presa por vencida
pensou o homem que permaneceu imóvel. Estava fraco, com ele também a sua
capacidade de reagir. A pouco mais de cinco metros o lobo susteve o passo e
deitou-se confortavelmente sobre a areia, como um viajante que alcança o seu
destino, repousando a sua cabeça sobre as patas. O homem permaneceu imóvel e
atónito durante alguns segundos, até que se sentou sobre o chão deambulando
entre o cansaço e o delírio.
- Provavelmente se
sente tão só e perdido quanto eu! – Indagou ele…
O lobo permanecia
tranquilo em repouso ignorando os delírios do seu anfitrião. Aquele era o seu
reino de cinzas, ele, estava só de passagem.
- São criaturas
fantásticas os lobos, dizem… Diziam, que seguiam as suas presas durante dias
por quilómetros de distância, no entanto nunca ouvi de um que se aproximasse
tanto apenas pela companhia. O mundo está mais silencioso é verdade. Até a
natureza transformou os seus costumes.
Estou intrigado, como é que sobreviveste? Há dias
que não vejo homem ou animal, ou poça de água que sacie um miserável inseto. A
grande guerra deu mesmo cabo deste mundo.
O animal bocejava
entediado recostando-se novamente por entre as patas…
- Perdoa-me, não
tenho com quem conversar há algum tempo. As poucas pessoas com quem cruzei na
estrada estavam loucas, nada mais do que mortos ambulantes. Talvez esteja
lentamente a seguir o mesmo rumo. Tenho o estômago dolorido de tantos dias sem
comer, se estás à espera que eu morra para fazeres o banquete, és capaz de
ficar desiludido.
O homem moveu-se
dolorosamente, juntando, folhas secas, restos de arbustos queimados e alguns
pedaços de madeira ressequida. Amontoou-os e incendiou num fogo brando,
regozijando-se confortavelmente na sua criação.
- Isto vai
manter-nos quentes ao longo da noite. Até amanhã! A menos que decidas comer-me
durante a noite.
Deitou-se por
entre os seus trapos sem qualquer temor, o conforto do fogo abraçou-o,
consolando as tristezas e carregando-o a um sono profundo. Viajou por entre
tempos esquecidos, o sol ainda brilhava por entre as persianas da sua janela. O
céu tinha um tom laranja, sobre os contornos do sol nascente. Sentia o calor,
não do sol mas de um corpo. Aquele olhar meigo fixava-o, por entre aquele rosto
pintado à mão. Uma memória comum a qualquer ser humano que na ignorância amaldiçoe
o seu destino pensou. No entanto naquele lugar deserto onde todos os sonhos
arderam, as suas memórias eram o mais próximo do paraíso que conseguia estar.
Eram o verdadeiro alimento da sua alma.
(Joel Flor)
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