terça-feira, 7 de maio de 2013

Sonhos de Papel

            Porque cantam os pássaros? Mesmo quando entre grades e correntes, privados da grandeza de um céu azul, de uma terra que se encolhe em casa bracejo que dão rumo as estrelas. Rumo, aquele horizonte onde o meu coração se perde, onde os sonhos se desfazem e a saudade se entristece.
Porque cantam os pássaros, enquanto os homens desfalecem sobre a incerteza do destino, das conquistas impossíveis, dos momentos perdidos.
            A natureza sempre me foi difícil de decifrar, o modo como se transforma, a ordem de todas as coisas que abrange, a sua irreverência, o seu poder e o seu domínio oculto e absoluto sobre um mundo de homens iludidos.
            Desde criança, sempre sonhei com coisas impossíveis, acreditava que se desejasse muito determinada coisa, a mesma viria ao meu encontro, como um destino traçado numa linha reta. Sonhava, com aquele barco que me conduziria pelo oceano aos confins da terra, sonhava com os pássaros, carregando-me sobre as nuvens, embalando me nas suas melodias. Sonhava com o meu pai, com todas as boas memórias, todas as preciosas recordações que conservo do homem que um dia foi, sonhava um dia vê-lo entrar por aquela porta marcada por um verniz velho, gasto pelo sol de várias gerações, que encolhia naturalmente a cada ano que eu ia crescendo.
            Mas o tempo mata a esperança e a inocência. O destino transforma-se numa palavra desprovida de sentido, aprendemos com os erros, com as nossas ilusões e fantasias. O tempo, esse revelou-me a realidade do mundo, do universo e de todas as coisas. Não existe um destino, existe apenas três conceitos que definem “o destino”. Escolhas, oportunidades e um pouco de sorte. O meu pai nunca retornou a casa, foi enterrado nas areias de um continente quente e longínquo. No meu coração ele morreu com as memórias e os sonhos de uma criança, que aguardava apenas o conhecimento do tempo, para entender a vida.
            É curioso o modo como o mundo se transforma com o tempo, recuamos por vezes no mesmo tempo analisando as evidências de tal forma que a maior mudança passa despercebida, o mundo por si mesmo não muda. Mudam os homens, mudamos nós. As feridas cicatrizam, os sonhos se transformam e as memórias se perdem.
            Embalo o meu pequeno filho nos braços, sabendo que o seu destino não está nas minhas mãos, na segurança dos meus braços, na consistência dos meus conselhos, na inequívoca certeza das minhas palavras.
            Encontro um incompreensível consolo no seu sorriso, na inocência da sua alegria sincera. A minha maior fraqueza e ao mesmo tempo a minha maior força e exemplo enquanto ser humano. Ali, residindo num ser de palmo e meio. Comprovando que até o mais pequeno dos seres consegue ser maior que o universo para alguém.
            Observo-o esbracejando os seus pequenos braços, sobre o calor do sol, tentando segurar entre os seus pequenos dedos aquela bola gigante de luz. Pequenos gracejos, sons rebeldes que desafiam o mundo ao seu redor.
            E o tempo corre, movendo-se na sombra das estações, na ilusão do renovo, de uma primavera que faz renascer a natureza, que em cada nova vida que dá, leva um pouco da vida dos homens. Pintamos um quadro, uma obra de arte, definimos a nossa vida entre os contornos da tinta, das sombras, das cores. Mas a ironia de um falso controlo, da ilusão de um plano, escreve uma nova história todos os dias. O homem, não consegue controlar o tempo, controlar a vida e a morte, um homem não decide a felicidade e o conforto da sua vida. Tão pouco não define o destino deste mundo que nos é passageiro. É movido pela incerteza, pelo acaso, pela sorte e por certas vezes por uma irrepreensível força de vontade, alimentada pela virtude dos seus sonhos.
            A criança cresce, a alma floresce, estabelece confiança, a ideia de um pequeno reflexo meu desvanece com os anos que o alimentam e o edificam nos percalços da vida, em todas as suas curvas e contornos que definem o seu carácter.
            O cansaço me assoma, nos ossos, na carne, no modo como tolero o mundo e as suas contantes mudanças. O que pintei no meu quadro? Onde estão os meus sonhos de papel que ganham vida entre as cores e as sombras da ilusão? Onde estão as histórias que terminam sempre da mesma forma nos livros? Sentado num banco de madeira observo as flores de um jardim, o perfume das rosas permanece, e então por detrás desta pintura, oiço os pássaros. Porque cantam os pássaros? A pergunta permanece, os homens mudam constantemente enquanto o mundo morre lentamente, segundo a segundo… Mas, porque cantam os pássaros?
            O branco das cortinas entrega-me a um quadro em branco, não existem mais curvas, caminhos, desvios ou dúvidas, o tempo esclarece todas as coisas, mas antes, ele destrói-nos lentamente, pedaço por pedaço, sonho por sonho.
            Sinto-me fraco, observo o olhar envelhecido do meu filho, cabelo grisalho, pele enrugada e o peso do mundo sobre os ombros. Tento recordar uma vida de encontros, histórias repletas de aventuras, mas o homem diante de mim, é um estranho como qualquer outro homem. Vidas diferentes, caminhos próprios, um tempo que esquece todas as coisas. No entanto noto sinceridade no seu olhar, arrependimento, vontade de concertar esse tempo, fazer com que alguns momentos perdurassem, e nunca nos fossem roubados. Ele sorri, como que aceitando, sinto-me em paz, pronto para a minha viagem, pronto para o final de todos os mistérios, desta curta passagem pelo mundo.
As cortinas desfalecem lentamente sinto a brisa do mar recortando os cabelos esbranquiçados que baloiçam juntamente com as ondas do mar.
            Os pássaros voam em silêncio, dançam por entre as estrelas, guiam-me pelas correntes do rio, que me carrega nos seus braços e me adormece na serenidade das cores. Ao fundo, o meu mundo se encolhe no horizonte.

Joel Flor