
Era um mundo sem
lei, qualquer pessoa roubava e matava sem se preocupar por responder pelos seus
crimes, e pessoas cruéis pareciam ser as poucas a sobreviverem naquele mundo
caótico.
Jason manteve uma
distância curta, entre um sorriso cumprimentou-o…
- Boa tarde! O
meu nome é Jason, sou um viajante, não precisa se preocupar com as minhas
intenções, estou apenas de passagem.
- Um viajante?
Hum… O mundo deixou de ser um mistério há algum tempo. Qualquer canto é igual a
outro canto, e uma coisa que todos os cantos têm em comum é serem um belo
pedaço de merda. Foi a herança desta nossa geração, cinzas e trevas. Viajar!
Não passas de mais um louco com certeza!
- Não vou
discutir ideias consigo, no entanto se poder-me dizer em que cidade ou país
atualmente estamos, ficaria lhe muito grato. Tentei encontrar placas mas não
restou nada de uns dias de viagem para cá.
O homem que
aparentava os seus sessenta anos olhava-o de soslaio…
- Que género de
idiota se aventura por aí, os caminhos são perigosos. Do que andas à procura?
Posso saber?
- A minha mulher
e filha estão alugares no Rio de Janeiro, tenho de encontrá-las. - As palavras
saíram dolorosamente por entre os seus lábios, como se uma ancora tivesse sido
libertada do fundo de um mar revolto. O seu coração era uma terra de sonhos
perdidos, mas o amor que o alimentava, que movia as suas pernas dia após dia, numa
busca atormentada era maior do que a sua falta de fé. Maior que todos os
obstáculos.
- E quando é que
tiveste novidades delas? – A pergunta saia com certa ironia, pronunciando todas
as letras que ele nunca quis ouvir, palavras que atacavam a sua mente dia após
dia de tal forma que ele sabia a sua resposta e sabia a próxima pergunta…
- Separamo-nos
antes… Antes das bombas caírem… - Jason falava de cabeça baixa, sentia o peso
das suas palavras, fazerem-no perder as forças, colocarem-no na posição e um
homem louco, e foi então que o velho fez a pergunta que temia ouvir…
- Que certeza
tens então de que elas estão vivas? O mundo foi todo devastado, noventa por
cento da população mundial desapareceu da face da terra. E tu procuras duas
pessoas? És o mais louco de todos os que conheci…
- A
radioatividade não chegou ao Sul da América…
- Não da forma
que chegou aqui mas chegou, e talvez ainda pior porque os que sobreviveram
transformaram o país num verdadeiro inferno. O que esperavas? Que todos juntos
dessem as mãos e trabalhassem para construir um mundo melhor? Um mundo como
nunca antes visto?
- Diz-me o nome
da porcaria desta cidade antes que o meu amigo aqui te arranque a cabeça e a
mastigue como se fosse um rebuçado de mentol. – O lobo em concordância exibia
os dentes sobre um rosno avançando lentamente. Jason tentava disfarçar a
surpresa da reação do animal, tinha falado por impulso, mas parecia que tinha
conquistado mesmo um amigo. Ou talvez o lobo tivesse apenas simpatizado tanto
com o velho como ele.
- México… Estamos
no México! – Responde o velho sobre uma voz trémula.
- Obrigado!
Seguiram caminho
ignorando-o, alguns metros mais à frente…
- Parece que
vamos ser bons amigos! Agora já sabes o que procuro. O motivo pelo qual viajo com
o peso do mundo nas costas. Mesmo assim queres vir atrás de mim?
O animal
caminhava descontraído, quase como que se realmente escutasse os desabafos
daquele ser humano. A sua voz era reconfortante, recordava-lhe a voz de um
velho amigo, recordava-lhe também que não estava só no que restava do mundo.
- Não fiz nem um
terço do meu percurso… é impossível!
Sentou-se
desconsolado sobre o chão, lentamente observava o enorme animal que lhe
retribuía um olhar profundo como que tentando penetrar nos seus pensamentos.
- Tu foste criado
por humanos, não foste? E entendes não só muitas palavras, como emoções
humanas. Já foste amado, e já amaste e protegeste alguém, como me proteges
agora. E o mais belo de tudo é que nunca foste domado, foste conquistado,
permaneces livre e selvagem, e essa liberdade reflete as mais nobres escolhas.
A estrada
desenhava um conjunto de curvas e contra curvas, o piso calcado demonstrava que
o caminho teria sido percorrido com alguma frequência após a grande guerra. Não
sabia até que ponto era bom ou mau, dependia das pessoas com quem cruzasse.
Dia e meio de
viagem teria passado desde o velho pessimista, o percurso era plano e dos mais
desertos que teria deparado. As forças começavam a faltar aos dois, numa luta
contra a sede, a fome e o cansaço. Seria difícil encontrar qualquer tipo de
caça naquele lugar. Tombou desfalecido de joelhos sobre o chão, a sua boca
ressequida sangrava e o corpo não suportava mais o seu peso.
Caminhar era uma
forma de não pensar, a mente fluía perdida entre um único propósito, a busca de
um horizonte azul, a prova de que o mundo estava vivo e com ele as pessoas que
amava, mas a dimensão da jornada poderia ser maior que as suas forças. Deitado
sobre chão sentia o vento frio espalhando grãos de areia sobre o seu corpo.
Imóvel durante algumas horas, tentou sentar-se apoiando-se dolorosamente nos
seus braços. O seu companheiro ainda ali estava, não o tinha abandonado. No
horizonte levantava-se lentamente uma tempestade de areia, estava mais frio do
que o habitual, poderia tentar procurar um abrigo mas o tempo e as foças não
conseguiam suportar mais esforços. Olhou para aquela criatura de olhos
profundos tentando ver algum sinal, algum novo incentivo…
- Estava prestes
a acabar com a minha vida quando te conheci, acredito que não apareceste ao
acaso. Existem momentos na nossa vida que surgem apenas para nos lembrar que
temos de ser fortes. Que temos de continuar. Não vou morrer aqui hoje, eu
prometi à Cíntia e à minha filha que iria ter com elas, dei-lhes a minha
palavra.
Lançou um último
olhar sobre a tempestade que se aproximava agora mais rápido e devolveu o olhar
ao animal…
- Eu sei que não
gostas muito de contacto humano. Mas a tempestade deve decorrer toda a noite e
se a temperatura baixar mais ainda corremos o risco de não chegarmos até
amanhã. Se realmente percebes o que digo, senta-te ao pé de mim. O calor dos dois
corpos vai manter-nos vivos, pelo menos até à tempestade se dissipar.
O animal susteve-se durante alguns segundos
mas logo se aproximou deitando-se do seu lado lentamente…
- Prometo que não
te faço festinhas quando tiveres a dormir! – Comenta ele num fraco sorriso. O
lobo devolveu-lhe o rosno em concordância.
- Espero que o
meu próximo companheiro de viagem tenha sentido de humor, um chimpanzé ou um
papagaio, qualquer coisa do género.
A tempestade
alcançou-os numa nuvem gigantesca de areia, fecharam os olhos e cobriram as
narinas com panos, o mundo desapareceu por momentos, apenas o canto do vento se
manifestava na escuridão…
(Joel Flor)
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