sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Em busca do horizonte Azul - Parte V

                Lentamente a sombra desenhava os traços de um homem, permanecia imóvel, observando e estudando-os cautelosamente. Jason tentou transmitir o mínimo de hostilidade possível, o estranho não denotava qualquer sinal de loucura, a menos que a mesma quebrasse o seu silêncio. Embora Jason tivesse um ar amigável, o lobo tinha cara de poucos amigos.
                Era um mundo sem lei, qualquer pessoa roubava e matava sem se preocupar por responder pelos seus crimes, e pessoas cruéis pareciam ser as poucas a sobreviverem naquele mundo caótico.
                Jason manteve uma distância curta, entre um sorriso cumprimentou-o…
                - Boa tarde! O meu nome é Jason, sou um viajante, não precisa se preocupar com as minhas intenções, estou apenas de passagem.
                - Um viajante? Hum… O mundo deixou de ser um mistério há algum tempo. Qualquer canto é igual a outro canto, e uma coisa que todos os cantos têm em comum é serem um belo pedaço de merda. Foi a herança desta nossa geração, cinzas e trevas. Viajar! Não passas de mais um louco com certeza!
                - Não vou discutir ideias consigo, no entanto se poder-me dizer em que cidade ou país atualmente estamos, ficaria lhe muito grato. Tentei encontrar placas mas não restou nada de uns dias de viagem para cá.
                O homem que aparentava os seus sessenta anos olhava-o de soslaio…
                - Que género de idiota se aventura por aí, os caminhos são perigosos. Do que andas à procura? Posso saber?
                - A minha mulher e filha estão alugares no Rio de Janeiro, tenho de encontrá-las. - As palavras saíram dolorosamente por entre os seus lábios, como se uma ancora tivesse sido libertada do fundo de um mar revolto. O seu coração era uma terra de sonhos perdidos, mas o amor que o alimentava, que movia as suas pernas dia após dia, numa busca atormentada era maior do que a sua falta de fé. Maior que todos os obstáculos.
                - E quando é que tiveste novidades delas? – A pergunta saia com certa ironia, pronunciando todas as letras que ele nunca quis ouvir, palavras que atacavam a sua mente dia após dia de tal forma que ele sabia a sua resposta e sabia a próxima pergunta…
                - Separamo-nos antes… Antes das bombas caírem… - Jason falava de cabeça baixa, sentia o peso das suas palavras, fazerem-no perder as forças, colocarem-no na posição e um homem louco, e foi então que o velho fez a pergunta que temia ouvir…
                - Que certeza tens então de que elas estão vivas? O mundo foi todo devastado, noventa por cento da população mundial desapareceu da face da terra. E tu procuras duas pessoas? És o mais louco de todos os que conheci…
                - A radioatividade não chegou ao Sul da América…
                - Não da forma que chegou aqui mas chegou, e talvez ainda pior porque os que sobreviveram transformaram o país num verdadeiro inferno. O que esperavas? Que todos juntos dessem as mãos e trabalhassem para construir um mundo melhor? Um mundo como nunca antes visto?
                - Diz-me o nome da porcaria desta cidade antes que o meu amigo aqui te arranque a cabeça e a mastigue como se fosse um rebuçado de mentol. – O lobo em concordância exibia os dentes sobre um rosno avançando lentamente. Jason tentava disfarçar a surpresa da reação do animal, tinha falado por impulso, mas parecia que tinha conquistado mesmo um amigo. Ou talvez o lobo tivesse apenas simpatizado tanto com o velho como ele.
                - México… Estamos no México! – Responde o velho sobre uma voz trémula.
                - Obrigado!
                Seguiram caminho ignorando-o, alguns metros mais à frente…
                - Parece que vamos ser bons amigos! Agora já sabes o que procuro. O motivo pelo qual viajo com o peso do mundo nas costas. Mesmo assim queres vir atrás de mim?
                O animal caminhava descontraído, quase como que se realmente escutasse os desabafos daquele ser humano. A sua voz era reconfortante, recordava-lhe a voz de um velho amigo, recordava-lhe também que não estava só no que restava do mundo.
                - Não fiz nem um terço do meu percurso… é impossível!
                Sentou-se desconsolado sobre o chão, lentamente observava o enorme animal que lhe retribuía um olhar profundo como que tentando penetrar nos seus pensamentos.
                - Tu foste criado por humanos, não foste? E entendes não só muitas palavras, como emoções humanas. Já foste amado, e já amaste e protegeste alguém, como me proteges agora. E o mais belo de tudo é que nunca foste domado, foste conquistado, permaneces livre e selvagem, e essa liberdade reflete as mais nobres escolhas.
                A estrada desenhava um conjunto de curvas e contra curvas, o piso calcado demonstrava que o caminho teria sido percorrido com alguma frequência após a grande guerra. Não sabia até que ponto era bom ou mau, dependia das pessoas com quem cruzasse.
                Dia e meio de viagem teria passado desde o velho pessimista, o percurso era plano e dos mais desertos que teria deparado. As forças começavam a faltar aos dois, numa luta contra a sede, a fome e o cansaço. Seria difícil encontrar qualquer tipo de caça naquele lugar. Tombou desfalecido de joelhos sobre o chão, a sua boca ressequida sangrava e o corpo não suportava mais o seu peso.
                Caminhar era uma forma de não pensar, a mente fluía perdida entre um único propósito, a busca de um horizonte azul, a prova de que o mundo estava vivo e com ele as pessoas que amava, mas a dimensão da jornada poderia ser maior que as suas forças. Deitado sobre chão sentia o vento frio espalhando grãos de areia sobre o seu corpo. Imóvel durante algumas horas, tentou sentar-se apoiando-se dolorosamente nos seus braços. O seu companheiro ainda ali estava, não o tinha abandonado. No horizonte levantava-se lentamente uma tempestade de areia, estava mais frio do que o habitual, poderia tentar procurar um abrigo mas o tempo e as foças não conseguiam suportar mais esforços. Olhou para aquela criatura de olhos profundos tentando ver algum sinal, algum novo incentivo…
                - Estava prestes a acabar com a minha vida quando te conheci, acredito que não apareceste ao acaso. Existem momentos na nossa vida que surgem apenas para nos lembrar que temos de ser fortes. Que temos de continuar. Não vou morrer aqui hoje, eu prometi à Cíntia e à minha filha que iria ter com elas, dei-lhes a minha palavra.
                Lançou um último olhar sobre a tempestade que se aproximava agora mais rápido e devolveu o olhar ao animal…
                - Eu sei que não gostas muito de contacto humano. Mas a tempestade deve decorrer toda a noite e se a temperatura baixar mais ainda corremos o risco de não chegarmos até amanhã. Se realmente percebes o que digo, senta-te ao pé de mim. O calor dos dois corpos vai manter-nos vivos, pelo menos até à tempestade se dissipar.
                 O animal susteve-se durante alguns segundos mas logo se aproximou deitando-se do seu lado lentamente…
                - Prometo que não te faço festinhas quando tiveres a dormir! – Comenta ele num fraco sorriso. O lobo devolveu-lhe o rosno em concordância.
                - Espero que o meu próximo companheiro de viagem tenha sentido de humor, um chimpanzé ou um papagaio, qualquer coisa do género.
                A tempestade alcançou-os numa nuvem gigantesca de areia, fecharam os olhos e cobriram as narinas com panos, o mundo desapareceu por momentos, apenas o canto do vento se manifestava na escuridão…
 
(Joel Flor)

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