Despertou por entre a luz ténue de um amanhecer
cinzento que resplandecia pequenos raios de luz por entre as cortinas de fumo.
Por mais que parecesse o fim de todos os tempos, um novo dia era sempre um novo
dia. Procurou pelo lobo ao seu redor mas as restava apenas as marcas no chão de
onde havia passado a noite. Estava em dúvida se teria mesmo estado ali, ou se
seria apenas parte do seu sonho, da sua noite longa e tranquila.
Estava bastante
fraco, falta de alimento e água limpa. Os seus pés em sangue eram fruto de uma
longa caminhada por aquele chão que em tempos foi o enorme continente
americano. A terceira guerra mundial não tinha corrido muito bem para a humanidade
e mãe natureza, a superfície da terra tinha mudado, oceanos tinham secado e a
radioatividade que dizimou sessenta por cento da população mundial tinha-se
levantado e manchado o céu de cinzento. Alguns cientistas diziam que iria levar
algumas décadas para que a radioatividade começasse a dissipar. Mas em pouco
tempo os sobreviventes deixaram de contar os anos, o ser humano regrediu ao seu
estado mais selvagem, matavam por uma simples lata de sardinhas fora do prazo,
ou outro qualquer recurso que pudesse melhorar a condição de alguém por mais um
dia. No entanto a maior causa de morte era sem dúvida o suicídio. Havia rumores
de que a radioatividade cobria toda a América do Norte, mais de metade da
América do Sul, a Europa Ocidental e o Norte do continente Africano. No entanto
os rumores já estavam gastos e velhos. Ninguém teria vindo em busca de
sobreviventes, e a esperança dos poucos que lutavam para sobreviver acabou
também por morrer.
Tudo isto tinha
permanecido ausente da sua mente, como um livro fechado que a memória não queria
visitar. Esta era a história do mundo que em tempos conheceu, no entanto a sua
história era a sua força que o fazia caminhar por aquele horizonte sem fim, em
busca de algo que mais ninguém procurava. Nos calabouços da sua alma ele
recordou o seu nome e sua história: “Jason MCcalen” proferiu ele entre murmúrios…
A sua memória
conduziu-o a poucos anos atrás. Uma nação em pânico, um aeroporto caótico,
multidões atropelando-se descontroladamente num cenário aterrador. Mas
subitamente o mundo e o seu ruído pararam naquele momento em que ele as segurou
nos seus braços, uma mulher e uma criança de quatro anos…
- É melhor
correrem para o embarque. O pouco controlo que há vai ceder em breve, depois
duvido que qualquer avião consiga decolar. – Comenta Jason.
- Sabes que eu te
amo, não sabes?
- Sim Cíntia, eu também
te amo, prometo que logo que possível vou ter convosco.
Beijou a sua
filha Sophie apertando-a nos seus braços e encaminhou-as para o portão de
embarque. Viu las afastarem-se, como se o seu coração tivesse parando lentamente.
Tentou segurar as lágrimas, pelo menos até que elas desaparecessem por entre as
portas. No entanto Cíntia voltou-se uma última vez e sorrindo gritou-lhe: “Vemo-nos
no Rio de Janeiro”. Aquele foi o último segundo, o seu último sopro de vida e
tragicamente também o seu último sol dourado. No fim daquela tarde as bombas
caíram do céu e mudaram brutalmente a face da terra.
(Joel Flor)
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