Joel Flor
Este é o meu espaço, onde procuro divulgar o meu trabalho.
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
terça-feira, 7 de maio de 2013
Sonhos de Papel
Porque cantam os pássaros? Mesmo
quando entre grades e correntes, privados da grandeza de um céu azul, de uma
terra que se encolhe em casa bracejo que dão rumo as estrelas. Rumo, aquele
horizonte onde o meu coração se perde, onde os sonhos se desfazem e a saudade
se entristece.
Porque
cantam os pássaros, enquanto os homens desfalecem sobre a incerteza do destino,
das conquistas impossíveis, dos momentos perdidos.
A natureza sempre me foi difícil de
decifrar, o modo como se transforma, a ordem de todas as coisas que abrange, a
sua irreverência, o seu poder e o seu domínio oculto e absoluto sobre um mundo
de homens iludidos.
Desde criança, sempre sonhei com
coisas impossíveis, acreditava que se desejasse muito determinada coisa, a
mesma viria ao meu encontro, como um destino traçado numa linha reta. Sonhava,
com aquele barco que me conduziria pelo oceano aos confins da terra, sonhava
com os pássaros, carregando-me sobre as nuvens, embalando me nas suas melodias.
Sonhava com o meu pai, com todas as boas memórias, todas as preciosas recordações
que conservo do homem que um dia foi, sonhava um dia vê-lo entrar por aquela
porta marcada por um verniz velho, gasto pelo sol de várias gerações, que
encolhia naturalmente a cada ano que eu ia crescendo.
Mas o tempo mata a esperança e a inocência.
O destino transforma-se numa palavra desprovida de sentido, aprendemos com os
erros, com as nossas ilusões e fantasias. O tempo, esse revelou-me a realidade
do mundo, do universo e de todas as coisas. Não existe um destino, existe
apenas três conceitos que definem “o destino”. Escolhas, oportunidades e um
pouco de sorte. O meu pai nunca retornou a casa, foi enterrado nas areias de um
continente quente e longínquo. No meu coração ele morreu com as memórias e os
sonhos de uma criança, que aguardava apenas o conhecimento do tempo, para
entender a vida.
É curioso o modo como o mundo se
transforma com o tempo, recuamos por vezes no mesmo tempo analisando as
evidências de tal forma que a maior mudança passa despercebida, o mundo por si
mesmo não muda. Mudam os homens, mudamos nós. As feridas cicatrizam, os sonhos
se transformam e as memórias se perdem.
Embalo o meu pequeno filho nos
braços, sabendo que o seu destino não está nas minhas mãos, na segurança dos
meus braços, na consistência dos meus conselhos, na inequívoca certeza das
minhas palavras.
Encontro um incompreensível consolo
no seu sorriso, na inocência da sua alegria sincera. A minha maior fraqueza e
ao mesmo tempo a minha maior força e exemplo enquanto ser humano. Ali,
residindo num ser de palmo e meio. Comprovando que até o mais pequeno dos seres
consegue ser maior que o universo para alguém.
Observo-o esbracejando os seus
pequenos braços, sobre o calor do sol, tentando segurar entre os seus pequenos
dedos aquela bola gigante de luz. Pequenos gracejos, sons rebeldes que desafiam
o mundo ao seu redor.
E o tempo corre, movendo-se na
sombra das estações, na ilusão do renovo, de uma primavera que faz renascer a
natureza, que em cada nova vida que dá, leva um pouco da vida dos homens.
Pintamos um quadro, uma obra de arte, definimos a nossa vida entre os contornos
da tinta, das sombras, das cores. Mas a ironia de um falso controlo, da ilusão
de um plano, escreve uma nova história todos os dias. O homem, não consegue
controlar o tempo, controlar a vida e a morte, um homem não decide a felicidade
e o conforto da sua vida. Tão pouco não define o destino deste mundo que nos é
passageiro. É movido pela incerteza, pelo acaso, pela sorte e por certas vezes
por uma irrepreensível força de vontade, alimentada pela virtude dos seus
sonhos.
A criança cresce, a alma floresce,
estabelece confiança, a ideia de um pequeno reflexo meu desvanece com os anos
que o alimentam e o edificam nos percalços da vida, em todas as suas curvas e
contornos que definem o seu carácter.
O cansaço me assoma, nos ossos, na
carne, no modo como tolero o mundo e as suas contantes mudanças. O que pintei
no meu quadro? Onde estão os meus sonhos de papel que ganham vida entre as
cores e as sombras da ilusão? Onde estão as histórias que terminam sempre da
mesma forma nos livros? Sentado num banco de madeira observo as flores de um
jardim, o perfume das rosas permanece, e então por detrás desta pintura, oiço
os pássaros. Porque cantam os pássaros? A pergunta permanece, os homens mudam
constantemente enquanto o mundo morre lentamente, segundo a segundo… Mas,
porque cantam os pássaros?
O branco das cortinas entrega-me a
um quadro em branco, não existem mais curvas, caminhos, desvios ou dúvidas, o
tempo esclarece todas as coisas, mas antes, ele destrói-nos lentamente, pedaço
por pedaço, sonho por sonho.
Sinto-me fraco, observo o olhar
envelhecido do meu filho, cabelo grisalho, pele enrugada e o peso do mundo
sobre os ombros. Tento recordar uma vida de encontros, histórias repletas de
aventuras, mas o homem diante de mim, é um estranho como qualquer outro homem.
Vidas diferentes, caminhos próprios, um tempo que esquece todas as coisas. No
entanto noto sinceridade no seu olhar, arrependimento, vontade de concertar
esse tempo, fazer com que alguns momentos perdurassem, e nunca nos fossem
roubados. Ele sorri, como que aceitando, sinto-me em paz, pronto para a minha viagem,
pronto para o final de todos os mistérios, desta curta passagem pelo mundo.
As
cortinas desfalecem lentamente sinto a brisa do mar recortando os cabelos
esbranquiçados que baloiçam juntamente com as ondas do mar.
Os pássaros voam em silêncio, dançam
por entre as estrelas, guiam-me pelas correntes do rio, que me carrega nos seus
braços e me adormece na serenidade das cores. Ao fundo, o meu mundo se encolhe
no horizonte.
Joel Flor
sábado, 19 de janeiro de 2013
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
Tempo - Feliz 2013
Se existe algo inevitável, esse algo é o tempo,
Tem o poder de esquecer, de transformar,
De transportar, de sonhar, de recordar,
Até que invevitavelmente esse mesmo tempo
Deixe de nos pertencer, mantendo-nos vivos apenas,
Na memória dos que permanecem presos ao tempo que lhes é dado.
Esta é a força do tempo, e o poder que ele impõe na única oportunidade que nos dá.
Que saibamos aproveitar cada segundo, compensar em dobro cada momento desperdiçado.
Que possamos recordar os anos memoráveis, os que realmente importam,
Que de uma forma arrebatadora alteraram o curso da nossa história.
Que possamos sempre respeitar esse tempo, amar enquanto temos tempo,
Perdoar enquanto temos tempo e acreditar sempre no tempo que temos.
Este ano será arquivado dentre de poucas horas,
A chave da sua porta que poderia eventualmente mudar o nosso passado nãos nos pertence mais.
Mas neste ano que irá começar, todas as portas estão abertas.
E todos os sonhos estão vivos.
Feliz 2013, saúde no corpo e na mente, o demais sempre virá por acréscimo!
Joel Flor
sábado, 15 de dezembro de 2012
Em busca do horizonte Azul - Parte VII - Capítulo Final

Uma vez que nos
desabituamos a mover-nos sobre qualquer tipo de veículo, viajar transforma-se na
estranha sensação de estarmos a ser transportados no tempo, vendo a vida passar
como lembranças que se evaporam em segundos.
O terreno ia se
transformando a cada distância percorrida. Foram três longos dias de estrada,
de noite parávamos pelo caminho para descansarmos e abastecermos. O lobo que
pouco a pouco fui intitulando de “Gray” tinha-se rendido ao afeto humano, por
mais que o aborrecesse a sua reputação de fera estava irremediavelmente estragada,
repousava o focinho sobre as minhas pernas durante a viagem e adormecia,
recuperava todos os sonos perdidos em que me seguiu por aquele deserto a fora,
em que por momento nenhum desistiu do seu último amigo. Gostava de ter a sua
força e o seu empenho.
O fim da viagem
revelava por entre as nuvens o Cristo Redentor de braços abertos, o mundo
permanecia sobre o seu silêncio tenebroso, ou talvez precisássemos apenas de
nos aproximar mais um pouco.
Os soldados da
Tribo comunicavam via rádio. Numa das conversas de Ernesto percebi que
procuravam manuais de voo, se seguisse a lógica do fim de uma era onde a
salvação dependia de transportes aéreos, chegava facilmente à conclusão que
nenhum homem que soubesse pilotar um avião ficaria no continente americano. Se
procuravam manuais de voo, é porque tinham descoberto um avião intacto. Optei
por manter em segredo o facto de ter sido piloto da força aérea Norte
americana. Quando chegasse o momento oportuno usaria o conhecimento num
benefício nobre, uma vez que o interesse dos meus companheiros de viagem era
apenas destruir.
Descemos das viaturas, um nevoeiro cobria a
madrugada da cidade, noutros tempos seria um amanhecer silencioso, no entanto
teria vivido os últimos tempos no silêncio, conseguia decifrar vários tipos de
silêncio, neste silêncio em particular conseguia quase ouvir o bater das
centenas quase milhares de corações humanos batendo inquietos, aguardando mais
um dia que poderia eventualmente ser o último.
Por entre o nevoeiro formaram várias figuras. Os
soldados cumprimentaram-se à medida que encontravam outros soldados, escutava
vários idiomas, havia inclusive alguns americanos entre eles, preferi não
socializar, independentemente da língua e da cultura, os seres humanos eram
quase todos iguais naquele lugar.
Um homem vestido com uma farda militar toda
aprumada dirigiu-se a Ernesto, percebi logo que era um dos fundadores da nobre
causa “Dos defensores da paz”.
- Só conseguiste esses pobres coitados? – Pergunta ele
a Ernesto.
- Só existe cinzas no norte Julian, temos de nos
desenrascar com o que temos.
- Conseguiste os manuais?
- Não mas os meus homens em São Paulo continuam à
procura.
Julian trocou um olhar pelos novos reforços que
chegaram…
- Algum de vocês na outra vida teve formação de
voo?
Permanecemos
todos em silêncio como era de esperar, o homem deteve o seu olhar sobre mim
durante alguns segundos.
- Pensei que
houvesse só cinzas no Norte, no entanto trazes-me um gringo?
- Encontramo-lo
perto do Panamá! Ele é de confiança! – Intervém Ernesto…
- O que fazias
antes da guerra gringo?
- Era soldado,
infantaria! – Respondi sem hesitar…
- Muito bem! – É disso
que precisamos!
- E encantador de
lobos em part-time! – Comenta um dos
soldados sobre gargalhadas.
Julian voltou-me
as costas e seguiu, observava tudo ao meu redor, tentava estudar a área, tentava
perceber onde estavam os civis, o meu coração pulsava violentamente, sabendo
que a minha família poderia estar a pouco metros de mim, ou simplesmente do
outro lado da cidade. Segurei o Ernesto pelo braço à medida que se afastava…
- Preciso saber
onde está a minha família. O que vamos fazer agora!
- Meu amigo, isto não é um safari, e os soldados
aqui não fazem perguntas, limitam-se a aguardar ordens!
- Eles não tem nenhum motivo pelo qual questionar.
Eu tenho, por favor. Preciso saber! Eu vou cumprir com o que me pediste.
Ernesto observa-o irritado, mas lentamente cede…
- Não existem civis neste lado da cidade. Apenas a
base de operações desta Tribo, existe um arranha-céus no centro da cidade, onde
estão alguns estrangeiros que a outro tribo considerou terem algum valor para
futuras negociações. O edifício não é guardado, nem os civis são prisioneiros.
Ninguém saí porque sobreviver cá fora é complicado. Sei apenas que nos últimos tempos
não tem vivido nas melhores condições, todos os homens e ainda algumas mulheres
foram incorporadas no exército da tribo. Restaram apenas alguns idóneos e
crianças que aguardam a maturidade para terem algum uso, enquanto os idóneos
apenas aguardam a morte. Se houver perto de cem pessoas nesse edifício será
muito. Queres continuar a acreditar que a tua mulher está viva? Ou preferes de
uma vez por todas encarar a realidade?
- Porquê que procuram manuais de voo?
- Existe um avião de transporte intacto no
território da outra tribo. Nós vamos roubá-lo enquanto a tribo investe num
ataque surpresa.
- Para quê que o Julian quer um avião?
- Olha à tua volta Jason? Vês algum paraíso no qual
queiras passar o resto da tua vida?
- Os soldados sabem disso?
- Não, são demasiado burros para perceber. Assim
que o Julian tiver conhecimento de voo, ele vai para a Austrália.
- E vai abandonar a causa?
- Acho que não percebeste gringo! Depois o
ignorante sou eu?
- Elucida-me por favor!
- Ele não quer o Rio de Janeiro ou a Austrália! Ele
quer o mundo inteiro, não vai abandonar a guerra refugiando-se nas colónias que
ninguém sabe como estão. Ele quer invadir o país. Com fogo e sangue.
Observava a sinceridade com que o Ernesto me descrevia
a mente monstruosa de Julian, senti uma certa tristeza pelo estado do mundo,
aquele era o renascer das cinzas, aquele era o futuro dos nossos filhos, aquele
era o motivo pelo qual centenas de pessoas iriam morrer nos próximos minutos.
Seguindo simplesmente a loucura de uma mente.
- Eu gosto de ti gringo! Existe bondade em ti, mas
temo por essa bondade. No mundo não se sobrevive mais com bondade, a
sobrevivência está em saber escolher o menor dos males.
- Se vou morrer em breve, que seja como um homem de
princípios, os princípios que os meus pais me deram. Princípios que o mundo se
esforça arduamente para esquecer.
Virei-lhe e saí caminhando noutro sentido…
- Aonde é que vais soldado? Não podes abandonar a
Tribo!
Escutei o rodar de um revólver, a arma de Ernesto
estava apontada a mim, a opção livre que me tinha prometido acabava de expirar…
- Não me deixas alternativa, seu idiota, vou dar-te
um atalho para ires logo ter com a tua família nos quintos dos infernos.
Antes que pressionasse aquele gatilho o maxilar de
Gray já estava fechado sobre os seus dedos, o tiro saí passando a poucos metros
do alvo, Gray investiu novamente sobre o Ernesto abocanhando-o pelo pescoço,
jogando o corpo do homem sem vida sobre o chão. Escutei o som de homens
correndo alvoraçados até nós. Tinha um dos jipes ao meu alcance, peguei o
revólver do Ernesto e meti-me dentro do jipe. Gray não aguardou o convite,
saltou de imediato para as traseiras do veículo que arrancou a fundo derrapando
os pneus no asfalto. Logo estaria no meu encalço, fosse qual fosse o plano que
iria construir nos próximos segundos teria de envolver um grande alvoroço de
modo a acordar aquela cidade fantasma.
Nas traseiras do jipe tinha uma metralhadora russa
carregada, peguei-a enquanto conduzia a alta velocidade pela longa avenida e
disparei alguns tiros para o ar. Isso colocaria a segunda Tribo em alerta,
Julian iria ter de repensar a sua estratégia e eu ganharia ainda mais tempo.
Avistei ao fim de alguns quilómetros o enorme arranha-céus ainda intacto. Saí
do jipe de arma em punho o local permanecia em silêncio, o Gray seguia-me de
cabeça baixa, um verdadeiro soldado que me salvara a vida mais que uma vez.
Contornamos o passeio por uma rua transversal, observávamos os telhados dos
edifícios em busca de atiradores furtivos mas o trajeto permanecia livro. Corri
até à porta principal e entrei no edifício, o meu coração disparou de tal forma
que tive de me debruçar por alguns momentos para recuperar o fôlego. Um homem
saiu de um dos corredores empunhando uma faca, lançou-se a mim furiosamente, no
último segundo travei-o embatendo com a metralhadora no rosto. Dei-lhe uma
joelhada no estômago, curvando-se atingiu-o novamente com a metralhadora nas
costas fazendo-o desfalecer sobre o chão. Chamei o Gray que inspecionava os
arredores e dirigimo-nos para as escadas. Lá fora o som de explosões tiros e
gritos começou a ecoar. A batalha das tribos tinha começado. Felizmente o homem
que sabia dos meus planos, da minha mulher e filha estava morto. Tinha de
aproveitar tudo o que tinha a meu favor. Alcancei o último piso quase sem
fôlego, centenas de pessoas encolheram-se quando me viram dobrar a esquina que
me conduziu aquele enorme compartimento. Um vigésimo quinto andar com paredes
exteriores de vidro davam uma vista magnífica para a cidade que encontrava
agora o sol da manhã. O nevoeiro tinha-se levantado enquanto fazia a minha
maratona de vinte e cinco andares.
As pessoas olhavam-me aterrorizadas, muitas
crianças e mulheres…
- Não tenham medo, eu não vou vos magoar!
Lentamente percebi-me que o mais os assustava não
era a minha metralhadora, mas sim os dentes afiados atrás de mim…
- Importas-te de sorrir uma vez na vida? Estás a
assustar as pessoas!
Voltei-me para a multidão e gritei…
- Cíntia e Sophie Goldberg!
O silêncio permaneceu após os nomes, as pessoas
trocavam olhares entre si dando a entender que desconheciam as pessoas em
questão. O meu coração desfaleceu naquele momento caí desconsolado sobre as
minhas pernas, aquele era o limite das minhas forças, o auge da minha fé tinha
desmoronado, não haveria qualquer plano após o meu fracasso. Talvez o seu
destino, o motivo pelo qual estaria vivo e teria alcançado aquela torre, seria
de salvar aquelas pessoas, coloca-las num avião rumo à Austrália. Valia a pena
salvar vidas quando a minha tinha irremediavelmente acabado, enquanto meditava
no meu próximo passo relâmpago, uma vozinha doce e meiga por detrás de mim
soletrou…
- Pai?
Voltou-se lentamente rendido ao chamado e o seu
mundo parou, a guerra que decorria lá fora permaneceu em silêncio enquanto os
seus olhos lacrimejados contemplavam a sua filha Sophie, uma criança de oito
anos devolvia-lhe um olhar choroso e correu em seguida até aos seus braços
apertando-o com força sem conseguir conter o choro. A alegria momentânea de
Jason não conseguia contornar o desespero que tinha em saber da sua esposa,
logo afagou-lhe as lágrimas dos olhos…
- Filha, a tua mãe? Onde está?
Uma senhora de idade interrompeu-os…
- Você é o Jason Goldberg, a Cíntia falou-nos muito
de si. Ela nunca desesperou, acreditou em todas as suas forças que tu virias um
dia por ela, por todos nós. És piloto não és?
Com algum receio o Jason respondeu que sim…
- Eu sei onde está o avião, o meu marido ia nos
levar no dia da grande guerra, mas não viveu para fazê-lo. E assim permaneceu
escondido até recentemente ambas as Tribos saberem da sua existência e de estar
apto a viajar. A tua mulher levaram-na a duas semanas, descobriram que ele era
médica e puseram-na a tratar de soldados feridos.
- Onde é que ela está?
Um velho dos seus setenta anos levantou-se e
aproximou-se dele…
- Eu levo-te até ela. Mas prepara-te para
enfrentares fogo.
- Tenho 25 andares para descer, não posso ir a
passo de caracol, desenha-me um mapa porque o tempo escapasse.
Assim o fez, desenhou o trajeto até à base da Tribo
e a morada do armazém onde estava o avião…
- Estamos a confiar-te a nossa última esperança…
- Formem fileiras de dez pessoas e sigam até ao
armazém, são duas quadras, mantenham-se escondidos caso soldados das Tribos
apareçam, fica com este revólver, é melhor que nada. Se eu não aparecer até o
por do sol… Regressem à torre e… cuidem bem da minha filha.
- Não te preocupes Jason!
Desci as escadas em corrida, seguido pelo Gray.
Entramos rapidamente no Jipe e seguimos a estrada que o velhote indicara.
Sentia o som da batalha muito perto, alguns tiros começaram a cruzar o jipe.
Atiradores tentavam abater-me.
Um tiro atingiu a roda do Jipe fazendo-o capotar na
estrada. O Gray saltou antes que o carro embatesse contra o asfalto. Eu não fui
tão rápido, senti algo perfurar a minha perna esquerda no impacto.
Dolorosamente arrastei-me por debaixo do veículo procurando um abrigo. A poucos
metros o Gray abatia à dentada um soldado que se aproximava. Alcançou-me
preocupado cheirando o ferimento.
- Eu estou bem Gray! Vamos, não podemos perder
tempo.
Movia-me dolorosamente coxeando de uma perna, ao
final da rua existia um enorme hospital o qual a Tribo utilizava as instalações
para vários fins. Entrei sem me preocupar mais com a cautela, dezenas de
pessoas tratavam de homens feridos, carbonizados, cenários que me trouxeram à
memórias tempos que julgava ter esquecido. Tentei ignorar os gritos e os odores
de morte, foquei-me em encontrar apenas a Cíntia. As portas principais
abriram-se, três soldados procuravam pelo gringo. Estava a ficar famoso! Teria
de me transformar num assassino naquele futuro próximo, muitas vidas dependiam
de mim, agachado na esquina do corredor disparei sobre um dos homens que tombou
contra o chão. Os outros dois desviaram-se procurando cobertura e começaram a
retribuir fogo cerrado. O pânico instaurou-se ainda mais, logo o tiroteio iria
atrair mais soldados. As coisas começavam a complicar-se. Saltei por cima de
uma maca sentindo as balas passarem rentes ao meu corpo. Corri pelo corredor
vago tentando sobreviver mais uns segundos foi então que a vi, linda como desde
o primeiro dia em que a conheci, atarefada sobre um paciente que morria em cima
da mesa os seus olhos num instante cruzaram os meus, quando me reconheceu, não
teve como se conter. Caiu de joelhos e começou a chorar. Corri até ela
abraçando-a.
- Temos de sair daqui, os soldados querem matar-me!
Eu sei do avião, vou tirar todo o mundo deste lugar.
- Eu sei que vais! Esperei uma eternidade por este
dia!
- Conheces as instalações? Consegues pôr-nos o mais
rápido possível fora daqui?
- Segue-me!
Alguns segundos depois corriam os dois pela
estrada, Jason ignorava as dores, se conseguissem sobreviver aquele dia iria
ter muito tempo para se queixar. Não havia nenhum veículo por perto tiveram de
correr três quilómetros sem parar até que alcançaram o armazém. Os civis já lá
estavam.
- Ajudem-me a abrir estes portões.
A luz
invadiu o interior do armazém. Era um avião de carga com capacidade para todos
e com porte suficiente para atravessar um oceano. Observou o combustível permanecia
atestado durante todo aquele tempo, dentro da cabine havia uma mapa de navegação
e uma fotografia de Sydney a capital Australiana. O velho piloto construiu o
seu sonho e não viveu para concretizá-lo.
Os jipes de Julian pararam lá fora, Jason
precipitou-se em embarcar todo mundo e correu com a metralhadora para junto dos
portões, o velho de nome Celso puxou do revólver e acompanhou-o juntamente com
Gray.
Eram seis soldados com o Julian, aproximavam-se
armados. Jason sabia o que tinha de fazer, era única salvação que tinham, e
assim fez disparou rapidamente sobre dois soldados os outros responderam com
fogo pesado fazendo-o recuar. O velho precipitou-se e Julian atingiu-o com um
tiro certeiro no peito. Jason tentou amparar-lhe a queda mas quando o segurou
já estava morto. Investiu novamente em fúria atingindo outro soldado. O Gray
atirou-se contra outro derrubando-o enquanto o esquartejava contra o chão.
Julian preparava-se para abater o lobo enquanto o Jason derrubava outro soldado,
e avançava em corrida contra o Julian, no último instante Julian optou por
atirar em Jason que caiu estendido sobre o chão. Gray observando-os atirou-se a
Julian que defendeu-se atempadamente com um tiro, o animal ignorou a dor e
cravou os seus dentes no pescoço de Julian, lentamente ambos perderam as forças
e caíram sobre terra.
Jason
levantava-se entre gemidos, a bala permanecia dentro de si a poucos centímetros
do coração. Continuava a lutar contra a morte, o lobo permanecia imóvel sobre o
chão, pegou-o com dificuldade nos seus braços trazendo-o para o interior do
armazém, caiu de joelhos sobre o chão segurando o animal nos seus braços
enquanto o mesmo desfalecia lentamente.
- Eu avisei-te que isso de andares comigo ia ser o
teu fim! – Tentou brincar mas não se conteve, o seu amigo estava a morrer nos
seus braços…
- Vá lá Gray, tu consegues sobreviver a isto. O que
é isto em comparação à travessia do enorme deserto americano? Não vás!
Gray parecia aceitar o seu destino melhor do que o
Jason que não se conformava, Cíntia observava-o de longe, sentia admiração pelo
homem que ele era. Por vezes os piores momentos revelam as melhores pessoas. O
curso da vida dita aquilo que somos consoantes os obstáculos que enfrentamos.
Esse era o inevitável curso das histórias que ouvimos e nos fazem meditar, nos
servem de base e princípios.
Coloquei o meu velho amigo sobre o chão abraçando-o
uma última vez.
- Adeus Gray, até à próxima viagem!
Corri saltando para a cabine do avião, os braços da
Cíntia contornavam o meu pescoço, não me iria soltar mais por nada deste mundo.
O avião arrancou pela estrada, foi alvo de alguns tiros que não impediram a sua
conquista dos céus. Em poucos segundos o Rio de Janeiro foi encolhendo por
entre as Janelas, despedi-me da grande estátua de braços abertos que tentava
abraçar um mundo perdido. O sol brilhava agora em todo o seu vigor e o
horizonte era mais azul do que nunca. Pensei naquela cidade linda que ficava
para trás, pensei no meu país que ficou reduzido a cinzas, pensei no ser humano
e naquilo que nos define. Pensei no poder de uma simples ideia.
Uma ideia contamina um homem bom, muda a mente de
uma nação, altera o destino de uma geração, muda o futuro do mundo e o curso de
todas as coisas.
Uma ideia que ganhe vida pode ser a arma mais
perigosa à face da terra. Enquanto o mundo perece, renasce e volta a perecer
perante as inevitáveis ideias dos homens. Resta-nos permanecermos verdadeiros a
nós mesmos, e fiéis aqueles que amamos. Com o amor vivo o mundo dentro de nós
nunca será abalado…
Fim
(Joel Flor)
sexta-feira, 14 de dezembro de 2012
Em busca do horizonte Azul - Parte VI

Fragmentos que corriam como pequenos focos de luzes intermitentes, vozes
de fundo distorcidas em eco e por fim um fundo negro e silencioso que acalmava
e adormecia, todos os outros sons foram as últimas lembranças que procederam à
tempestade. Despertou com um balde de água cristalina no rosto. Por mais
agressivo que fosse o gesto parecia-lhe o conforto divino de uma morte indolor
recompensada no paraíso. Apesar de na mente de um miserável se alcançar o
paraíso com muito pouco. Estava acorrentado a um tronco por ambos os braços, as
pernas pendiam suspensas tocando sem impor o seu peso sobre a areia. Antes que
se questionasse sobre as pessoas que ali estavam, rostos desfigurados, olhares medonhos,
os seus olhos contornaram a área procurando o lobo.
- O que fizeram
com ele?
- Ele quem? A
fera que estava contigo? Ele arrancou a mão do meu primo! – Comenta uma
daquelas personagens sobre um certo alvoroço.
- Tens de
entender, a natureza é comos nós homens, defende-se quando se sente ameaçada.
Lamento muito, no entanto o animal não apresenta qualquer perigo, se ainda
estiver vivo. Podem soltá-lo.
- Soltá-lo? Nós
não conseguimos capturá-lo. Hum… Tu nem tens noção de onde estás pois não? Nem
do tempo que estiveste inconsciente. Estás neste momento a quase três mil
quilómetros do sítio onde te encontramos, há seis dias atrás.
- Isso é
impossível! – Jason tinha a vista turva, no entanto lentamente por detrás
daqueles homens os olhos começavam a focar pouco a pouco um imenso céu azul.
Tentou levantar os seus olhos mas foi ofuscado por um enorme sol brilhante.
Subitamente, ele começou a chorar num turbilhão de emoções. Os seus anfitriões
por outro lado ficaram confusos. Recompondo-se, pronunciou-se novamente…
- Aonde estamos?
- Noutros tempos,
a grande Amazónia, foi a riqueza que nos legou a natureza que salvou o mundo e
provavelmente o resto da humanidade. Os rios dentro das florestas mais densas
não foram afetados pelas mãos dos homens. Por esse respeito pela natureza é que
não caçamos o lobo. Talvez por não gostar muito do meu primo também. – Despeja ele
entre gargalhadas, exibindo uma dentadura com muitas janelas pelo caminho.
- Sou um
prisioneiro aqui?
- Estavas perto
do Panamá quando te encontramos, estávamos numa expedição subterrânea em busca
de armas para usarmos na nossa guerra. Muitas cidades intactas ficaram
subterradas durante a guerra.
- Desculpa!
Disseste: Vossa guerra?
- Sim, depois da
grande guerra formaram-se duas grandes frações conhecidas pelas grandes Tribos.
No início era apenas uma disputa pelos recursos naturais, essenciais para a
sobrevivência da raça humana. Depois de crescerem e ganharem força, começou a
ser mais uma questão de poder.
- Bando de
ignorantes, depois do que a guerra fez ao planeta a primeira coisa que fazem
assim que assentam as cinzas é arranjar meios para fomentar outra guerra.
O homem com quem
falava encosta uma catana enferrujada ao seu pescoço…
- Cuidado
viajante, aqui perde-se a língua por muito pouco, vou dar-te o benefício de
teres andado a dormir debaixo de uma rocha, no entanto mede as palavras a
partir de agora.
- O que querem de
mim? Como é que percorreram três mil quilómetros em seis dias?
- Três dias! O
nosso mecânico Juarez conseguiu por alguns jipes de guerra a circular. O
petróleo não é um recurso natural indispensável à nossa sobrevivência mas de
momento é o mais caro do mundo. Ouro, diamantes, dinheiro, não tem qualquer
valor. No entanto o combustível, ainda pode governar a Terra.
- Não sou teu
inimigo, nem tenho interesse em escolher qualquer lado dessa guerra. Todas
frações independentemente do seu fundamento e da sua causa se guiam por um
código de honra, existem princípios básicos que nos diferenciam dos animais.
- Falas bem para
um mendigo viajante que cheira a esterco! Se tentares alguma coisa és um homem
morto!
- Tipo quê? Fugir
com uma garrafa de água para América do Norte?
- Seja o que for!
Estou de olho em ti! – Voltando-se para os demais… - Soltem-no e deem-lhe umas
roupas limpas, não se pode com o cheiro...
Algumas horas
mais tarde Jason alimentava-se com a primeira refeição decente de alguns anos. Lembrou-se
subitamente do seu amigo de quatro patas, se estivesse por perto poderia
guardar-lhe um pedaço do guisado. Depois pensou na esposa e na filha, estariam
elas em melhores condições que ele? Teriam presenciado essa nova guerra? Teriam
um prato de comida no final daquele dia tal como ele? A angústia sufocava-o e
por mais que a sua situação tivesse melhorado um pouco, não conseguia deixar de
se sentir vazio. O seu anfitrião aproximou-se lentamente e sentou-se perto de
si.
- Qual é a tua
história gringo?
- É uma longa
história!
- Uma boa
história esperemos! Porque o pessoal está indeciso ao que fazer contigo.
Estrangeiros não são de confiança aqui. Eu cresci no mato, vivi no mato toda a
minha vida. Sou um homem humilde, ignorante como me chamaste há pouco! Tenho um
pequeno exército, algumas armas, três jipes e uma aldeia! Sim tenho mas isso
não faz de mim um amperador!
- Amperador? Acho
que queres dizer imperador! Não?
- Sim isso! Um amperador!
Seja como for apesar de ter alguns ingredientes de peso. Não tenho o essencial,
a arma letal que resta do passado e está em vias de extinção no presente!
- Que é...?
- Conhecimento! E
isso… tu tens! Isso é o que devemos temer!
- O que te leva a
pensar que o sei ou não faz de mim um homem perigoso? A única coisa que aprendi
foi a manter-me vivo, isso não constituí uma ameaça para ninguém!
- Sempre resposta
para tudo! Mas diz-me seguias viagem? Para onde exatamente!
- Esperava chegar
ao Rio de Janeiro onde estão a minha esposa e filha.
O homem fixou-o
durante alguns segundos depois respondeu-lhe com uma certa frieza…
- Se elas estavam
no Rio de Janeiro podes esquecê-las porque já estão mortas. Foi lá que
despontou a guerra entre as frações, mas antes disso a ausência de uma força
que impusesse a lei transformou o estado num caos, milhares morrerem perante a
loucura dos demais até que as frações tomaram o controlo do estado e mataram
toda a gente. Culpados ou não, morreram quase todos!
Jason escutava-o
em estado de choque…
- Quase todos?
- Sim quem tinha
condições conseguiu apanhar os últimos voos para a Austrália. Se queres
acreditar que elas estão vivas? Acredita que elas conseguiram pegar esse voo e
agora vivem em paz nas últimas colónias. Se queres enfrentar a realidade que te
espera, tens bom remédio, junta-te a nós e tens uma viagem garantida para o Rio,
porque é lá que decorre a ação. Eu sei que vocês americanos gostam de armas,
não será nenhuma novidade com certeza.
- Ela nunca
apanharia esse voo para a Austrália!
- O que te faz
ter tanta certeza?
- Porque se há
algo que ela tem muito mais do que eu, esse algo é fé! Ela nunca partiria para
um território inalcançável sabendo que eu iria atravessar o inferno para chegar
até ela. Ela está viva, eu tenho a certeza que está!
- Olha à tua
volta Jason, fé em quê? A mulher que conheceste antes do fim de todos os tempos,
como o que resta da humanidade mudou. Não existe mais fé!
- Estamos a pouco
mais de 3000 quilómetros do Rio, não estamos?
- Sim, mas…
- Então não
venhas falar de fé a um homem que a duas semanas atrás estava do outro lado do
mundo. A minha fé me trouxe até aqui! Sim eu percebo de armas, tive no
exército, na guerra, e no inferno e se o único caminho que me ofereces para
alcançar a minha família é mais uma guerra então vamos embora porque para
chegar até ela eu estou disposto a destruir o que resta desta miserável raça
humana, que garanto que o mundo não sentirá a sua falta.
- Acho curiosa
essa devoção, nunca conheci a minha família, esta é a minha família e não estou
assim tão disposto a morrer por eles. Não és mais prisioneiro aqui se quiseres
partir por tua conta és livre para o fazer. Se quiseres lutar do nosso lado,
quando terminar és livre para procurar quem ou o que quiseres.
Jason assentiu em
concordância, não estava certo da sua decisão, mas era o meio mais rápido para
chegar ao seu destino. O céu cinzento tinha ficado para trás, o sol trazia um
novo ânimo uma nova força, ou talvez fosse apenas o prato de comida a surtir o
seu efeito. Certo é que três dias depois a sua pele começava a ganhar cor e
vida, um camião carregado de gente medonha chegou também, vindo de outra
localidade. Ernesto como era conhecido reunia um grupo de recrutas para a “Tribo
dos defensores da Paz”, idiotas sempre escolhiam nomes de caracter nobre para
as suas causas ridículas, o triste desta geração era que o mundo era atualmente
governado por idiotas que sobreviveram. Mas quando analisava o passado e toda a
história da humanidade ele compreendia que as coisas não tinham mudado assim
tanto. Fossem quais fossem as suas ideologias, ele fazia parte daquele mundo e
teria de percorrer a sua estrada para um dia seguir o seu caminho.
Foi no meio do alvoroço de homens sedentos de
guerra, ansiosos por dar um motivo às suas tristes existências que por cima da
montanha que se levantava por entre os enormes rios carregados de água doce
movendo-se por entre uma vegetação densa, que o som de um uivado preencheu o
horizonte silenciando os homens.
- Parece que os
teus amigos não desistem de ti facilmente! – Comenta Ernesto…
- Ainda bem!
Porque eu não desisto deles também!
- O Gringo e o
grande lobo cinzento! Se sobreviver à guerra um dia ei de escrever um livro
sobre vocês. Aposto que seria um grande sucesso.
- Terias de
aprender a escrever primeiro, seu ignorante!
Ernesto ria-se
compulsivamente expondo o seu sorriso assustador, Jason por outro lado recebe o
seu velho amigo que se aproximava lentamente. Um tanto renitente recebe o
animal nos seus braços que por si aceita o abraço humano repousando entre eles.
Os homens da tribo reuniam-se ao seu redor contemplando algo que não tornariam
a ver em vida, num mundo caótico que renascia das cinzas novamente ao encontro
do caos eles contemplavam o verdadeiro sentido pelo qual valia a pena lutar…
(Joel Flor)
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