sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Conto "O Portador dos Sonhos"

E se pudesse-mos segurar o sol com as mãos, ocultar a sua luz do mundo. Absorver a sua vida e viver para sempre, tal feito traria com certeza também os seus maus efeitos, seriamos diferente de todos, seriamos únicos, no entanto ser único significa também estar só, e tudo isto significa algo que nos abrange a todos, a vida de um homem é e sempre será incompleta, buscar algo mais é um elemento da nossa natureza e mesmo que tenhamos o mundo inteiro, seremos sempre insatisfeitos.
Um pai de família pobre, pode querer o suficiente para por a comida na mesa, um pai de família estável quer o suficiente para dar um futuro aos seus filhos, apesar de todos temos um futuro e ele não estar nas mãos de ninguém. Um filho pode destruir num dia o que uma geração construiu e por fim um homem rico quer e sempre irá querer ter mais ainda.
Esta era uma das certezas que Gareth um simples pescador, teria aprendido na sua jornada pelo mundo, no seu entendimento sobre a vida que lhe era concedida, até o dia em que caminhando junto à praia surgiu um viajante, que seria tudo menos um homem comum, carregava com ele todos os segredos dos homens e o poder de mudar o mundo e o destino de cada um.

Gareth arrastava a rede para junto da areia, teria sido mais um dia de pesca fraco, perguntava a si mesmo todos os dias: Para onde estariam indo os peixes? Parecia que o mundo estava a morrer de dia para dia, e com ele toda a sua natureza se consumia e se entregava ao esquecimento. Foi meditando nos seus problemas que cresciam com cada sol que se levantava a cada manhã, que avistou o estranho homem, estranho porque de uma forma estranha não se enquadrava no cenário. O homem veio caminhando na sua direcção até que parou junto ao seu barco observando-o em silêncio.
Sentindo uma sensação de incomodo Gareth saiu ao seu encontro…
- Posso ajudá-lo em alguma coisa?
- Procuro uma casa para descansar a noite, e preciso comer alguma coisa também.
- Lamento mas não existem pensões nas redondezas, talvez se continuar a caminhar pela praia ao fim do dia chegue à cidade mais próxima e encontre algo por lá.
O homem agradeceu por gestos e continuou a sua peregrinação. Naquelas terras era costume ser hospitaleiro e oferecer a casa mesmo a estranhos. Se fosse uma família, um casal ou até mesmo alguém com outra aparência ter-lhe-ia oferecido tal como manda a tradição, o que seria certamente o que o homem esperava que ele fizesse, no entanto a sua aparência estranha, o seu olhar, modo de caminhar, tudo naquele homem o incitava a manda-lo seguir a costa. Todavia lentamente a consciência começava a pesar, teria aprendido em vida a não julgar pela aparência, a dar sem esperar nada em troca. Sabia que a próxima cidade estava a três dias de viagem, seriam três dias que aquele homem estaria sem comer.
Saiu então ao seu encontro, o sol parecia começar a esconder-se naquele horizonte longínquo, mas o rastro de luz que existia permitiu-lhe enxergar aquela forma caminhando como um vulto. Sem dar a sentir a sua presença o viajante ao longe parou o seu passo, voltou-se para trás e aguardou que Gareth fosse até ele. Ambos retornaram juntos até a casa de Gareth sem que uma palavra fosse dita. Dentro de uma casa de barro, havia uma lareira na qual uma mulher e três crianças se aqueciam. Usando a mesma lareira Gareth colocou sobre uma rede o peixe que lhe teria oferecido o mar. Todos observavam o estranho atentos, que sentado sobre o chão limitava-se a sorrir tranquilamente. Deram graças pelo peixe e pelo pão, e todos saciaram a sua fome. Deitaram as crianças sobre os seus leitos. Gareth e o estranho foram até ao exterior da casa e sentaram-se sobre a areia que cobria os vários hectares de terra que o olhar podia alcançar. O céu estava polvilhado de estrelas que por si iluminavam a noite ao som dos grilos e das aves noturnas que cantarolavam sons melancólicos.
- Não sei o seu nome!
Sem que desviasse o seu olhar do céu e do encantamento que a ele impunha o estranho responde a pergunta…
- Não tenho nome… No entanto os homens chamam-me de… “O portador dos Sonhos”
Gareth sorriu, no entanto foi um sorriso curto que se transformou numa afeição atónita, não esperava que homem fosse um aldrabão, ou cómico, ou sarcástico, ou que da mesma forma estranha fosse mais do que um homem. Simplesmente não esperava nada, porque nada teria sido revelado até ao momento. Então limitou a jogar o jogo, para ver onde o mesmo o levava.
- O que quer isso em concreto dizer?
- Eu busco nas pessoas a sua compaixão, a sua caridade, o seu lado humano que tem vindo a se extinguir ao longo dos tempos. Um homem que nada tem para oferecer ofereceu tudo. Isso é uma raridade pouco comum nos dias de hoje.
- Talvez seja mais uma imprudência da minha parte.
- O facto de ser imprudente apenas torna o gesto ainda mais nobre.
- De certa forma! Continuo sem saber o que procuras aqui!
- O que poderia um homem que possui a grandeza de um céu estrelado, a magnitude de um mar extenso, uma família e casa possivelmente desejar?
- Para alem de peixe no mar? Creio que não haja muito mais que precise!
- Se eu pudesse dar muito mais do que tudo isso? Se eu te pudesse dar o mundo inteiro. Continuarias a desejar somente peixe?
- O mundo inteiro não compra a felicidade de um homem e eu sou feliz, sempre fui, talvez ignorante, mas a ignorância consegue ser uma bênção quando não nos afasta do nosso rumo. A única coisa que preciso é de peixe para sustentar a minha família.
- Imagina que eu tenho um reino para te dar, milhares de servos e servas, soldados, conselheiros, cavaleiros, mais terras que o céu possa conter. Navios, ouro e todo tipo de especiarias, beber dos melhores vinhos, comer das melhores carnes. Uma vida acima de todos os teus pensamentos, para ti e a tua família. Continuarias a desejar somente peixe no mar?
O homem manteve-se em silêncio, o assunto começava a absorvê-lo, a contagiá-lo, a envenená-lo com o seu aroma, mas deteve-se a determinado momento…
- Haverá porventura maior riqueza na terra, que a felicidade e o amor de uma família?
- Talvez não. No entanto um dia, essa mesma família, tal como tu haverão de regressar ao pó da terra, por vezes quando limitamo-nos a viver em função dos outros, ao vê-los partir, parte de nós vai com eles também, e o mundo deixa de fazer sentido, e se ao invés de todas as grandezas e luxúrias da terra, eu pudesse dar-te a imortalidade, para ti e para os teus?
Aquela altura Gareth parou de pensar nas alternativas que lhe eram apontadas e fixou a sua atenção no seu convidado, na convicção com que proferia as suas palavras.
- Quem és tu?
- Já te respondi a essa pergunta!
- Sim, “O portador dos sonhos”. Mas isso é uma resposta muito vaga. Em virtude de entender a tua natureza, faço-te a mesma pergunta. Se te pudesse dar tudo, mesmo tudo, o que me pedirias?
O estranho que sorria com frequência susteve as suas emoções por breves momentos desviando o seu olhar que denunciava a sua fraqueza. Gareth retomou o assunto…
- Eu posso ser apenas um pescador, mas aprendi algo em vida, todos os desejos trazem as suas consequências, acredito que um dia a mesma pergunta foi-te colocada, e carregas o peso da tua escolha até aos dias de hoje. Eu sou um homem feliz, tenho tudo o que sempre quis, se terei de sobreviver sobre momentos difíceis, assim seja, com eles haverei sempre de aprender, porque a vida é uma escola, e a sua estrada não pode ser contornada.
O estranho sorriu olhando-o agora nos olhos, levantou-se e dirigiu-se rumo ao seu caminho, susteve o seu passo e devolveu o olhar a Gareth…
- Tens razão, tens uma família e uma vida maravilhosa Gareth, nunca traias os teus princípios, mantém-te firme a esse homem que és, e não te preocupes, o peixe vai voltar.
Seguiu a sua estrada, enquanto Gareth o via desaparecer novamente sobre a linha do horizonte, deitou-se junto das esposa e dos três filhos aconchegando-os nos seus braços. Combatendo o frio que entrava pelas brechas das janelas e das portas.
O viajante seguia a estrada de areia quando passou por um mendigo que amaldiçoava a própria vida e a sua existência. O viajante parou junto dele, observando-o e examinando-o, o mendigo calculou que iria receber alguma esmola e logo se precipitou a demonstrar um ar miserável.
- Uma esmola por favor. Estou a vários dias sem comer!
- Posso te dar tudo o que quiseres, queres apenas uma esmola?
O mendigo observou o viajante com um ar intrigado, e logo questionou-o?
- Como assim tudo?
O viajante mostrou-lhe as suas mãos, as mesmas estavam envoltas numa luz forte que iluminava a praia e a noite com uma intensidade sobrenatural, como se carregasse o sol nas mesmas, contendo a sua luz.
- Posso fazer de ti o homem mais poderoso do mundo, nunca mais terás de mendigar, todos te respeitaram, todos te serão submissos, serás senhor da terra.
- Eu quero sim, quero tudo!
O viajante colocou as mãos sobre a sua cabeça e a luz que as envolvia apoderou-se do seu corpo ampliando a sua força. Uma luz dourada cobria agora o viajante que lentamente começava se desfazendo num pó dourado que aspirava se envolvendo na neblina. Ao longe por entre um murmúrio expirou num sopro de palavras…
- O fardo não é mais meu, entrego-o a ti para que o carregues, os sonhos da humanidade serão a tua maldição.
A sua luz difundiu-se entre as estrelas do céu. Pequenas gotas de luz caiam sobre a terra. O mendigo sentia-se flutuando sobre a areia, tentava segurar as gotas com as mãos mas as mesmas desfaziam-se por entre os dedos. Caminhou até junto á agua observando o seu reflexo. O seu rosto tinha rejuvenescido trinta anos. A sua força estava jovem e virtuosa. A sua mente continha poderes que estavam ocultos a humanidade, e então correu sobre a terra em busca da sua glória, do mundo que lhe pertencia agora, em busca de todos os sonhos que o destino lhe teria roubado.
Gareth observava a sua esposa que não adormecia, permanecia sonhadora e pensativa de olhos abertos, sem que o sono os fechasse…
- Está tudo bem? – Questiona ele.
- A vida neste mundo é difícil, precisamos de tão pouco para sobreviver e mesmo assim por vezes o pouco nos é tirado. Não sei o que faremos se o peixe não voltar.
- Deixarei de ser pescador, passarei a ser caçador, ou lavrador, ou que quer que seja. O homem não pode definir a sua vida através de uma tradição, de uma paixão. A terra sempre há-de prover aquilo que nos faz falta. A vida define-se consoante a necessidade que temos, assim sobreviveremos de tempo em tempo, de geração em geração. Pois a verdadeira riqueza é estarmos vivos, e fazermos parte deste mundo. Não naquilo que temos… mas sim naquilo que somos.



Joel Flor

4 comentários:

  1. Muito bom! "A nossa riqueza não está naquilo que temos, mas sim naquilo que somos!" Parabéns baby!!!

    ResponderExcluir
  2. É o verdadeiro caminho para a felicidade! Encontrar essa riqueza dentro de nós, naquilo que somos e nas pessoas que fazem parte da nossa vida.

    ResponderExcluir
  3. Exactamente, não é pela capa que se vê o livro... Uma mensagem para toda a gente reter. :) Gosto imenso da lição ;) Parabéns e força nisso :)

    ResponderExcluir
  4. Querida Mirela! Grato pela presença das tuas palavras no meu espaço e pela opinião pessoal que sempre valorizo :)

    ResponderExcluir